Dia Internacional das Pessoas com Deficiência
“Não queremos ser lembrados apenas neste dia, temos uma vida inteira pela frente, temos sonhos e esperança como toda a gente tem. Minha limitação é só para caminhar “normalmente”, no mais, sou capaz de muitas coisas”, dizia o senhor Rafael, coordenador da Liga de Apoio e Reintegração dos Deficientes (Lardef), no Bairro da Graça, em Benguela, no ano passado, na altura em que o Mosaiko esteve a facilitar uma formação sobre: O Direito das pessoas com deficiência.
O Senhor Rafael, segundo dados do Censo de 2014, faz parte das 656.258 pessoas em Angola que convivem com alguma deficiência, seja, auditiva, intelectual, física e visual. Tais deficiências devem-se a diversas causas, como por exemplo, falta de acesso à saúde e programas de prevenção; conflitos armados; sequelas de algumas doenças; sinistralidade rodoviária, entre outras.
Ele, porém, não se limita a sua deficiência. Hoje, o senhor Rafael é um activista na sua comunidade, na associação LARDEF, da qual ele faz parte e é um autêntico defensor das pessoas com deficiências e ajuda a consciencializar as demais.
Certamente, cada uma e cada um de nós, conhecemos ou convivemos com pessoas que apresentam alguma limitação seja física, intelectual, visual ou auditiva.
Essas pessoas são exemplos para muitos! Embora nem sempre queiramos reconhecê-las como parte integrante da sociedade, sendo assim, neste caso, a limitação está em quem se acha “normal”.
Na nossa realidade em Angola, segundo dados do Censo de 2014, a população nacional era de 25 milhões de pessoas, destas, como já mencionamos, cerca de 656.258 convivem com alguma deficiência.
Mas afinal, a deficiência é uma doença?
Para responder a esta e outras questões, nossa equipa conversou com a colaboradora do Mosaiko, Margarida Silva, que esteve recentemente em Johannesburg, na África do Sul, a participar na 7ª Conferência sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, cujo evento é organizado por estudantes da Universidade de Pretória.
Para saber quais foram os assuntos abordados neste encontro e que recomendações foram feitas a nível internacional a respeito da inclusão das pessoas com deficiência, em África, acompanhe a entrevista.
MOSAIKO – Margarida, a deficiência é uma doença?
MARGARIDA – Podemos dizer que a deficiência pode estar associada a uma doença ou algum acidente que a pessoa tenha sofrido, mas, em si, a pessoa com deficiência não deveria ser tratada como doente. Existem sim, a doença de distúrbio mental, como muitas pessoas chamam, por exemplo. Mas, lá nesta Conferência, na África do Sul, foi falado que já existe um “novo” nome, que é chamada de “deficiência psicossocial”, porque a pessoa não se integra social e mentalmente na sociedade, ou não consegue se integrar, ou não é dado espaço para que ela se sinta parte. Um exemplo é a pessoa com autismo. E nestes casos, como em todos os demais casos de deficiências, o Estado deve prover assistência necessária para o tratamento destas pessoas.
MOSAIKO – Em Angola, qual é o tipo de deficiência que mais atinge as pessoas?
MARGARIDA – Em Angola, segundo a estatística do Censo de 2014, e isto está no documento: Implementação da Convenção sobre os Direitos das pessoas com deficiência – Relatório inicial 2014/2016 -, que mostra que em Angola, a deficiência intelectual ou mental é a que mais atinge as pessoas. E praticamente não existe nenhuma organização que trabalhe directamente com elas. Isso é preocupante!
MOSAIKO – Qual tem sido o contributo de Angola nas questões de Leis de Protecção das Pessoas com Deficiência?
MARGARIDA – Uma das coisas positivas de Angola é que o governo ratificou a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, isto é bom! Porque pouco a pouco Angola vai actualizando a sua legislação, como por exemplo, a Lei de Acessibilidades, Lei Geral do Trabalho, Política da Inclusão Escolar, são algumas.
Neste link, as pessoas podem ter mais informações a respeito destas leis.
http://www.servicos.minjusdh.gov.ao/…/RELATORIOFINALCPCD.pdf
MOSAIKO – Que aspectos positivos podemos destacar no âmbito das políticas públicas inclusivas, que o governo angolano está a implementar?
MARGARIDA – Por exemplo, agora todas as Escolas sejam públicas ou privadas devem incluir crianças, jovens e adultos com alguma deficiência. Isso é um dado relevante e mostra um certo avanço! Claro, que Escolas de Ensino Especial podem continuar a existir, mas, para demais escolas é obrigatório que incluam as pessoas com deficiência e que possa haver capacitação dos profissionais, tanto da educação, como das demais áreas para acolhê-las. Isto o Estado deve garantir. É preciso reduzir os tabus que existem nas pessoas, nas comunidades, para isso é preciso investir na educação, na profissionalização.
MOSAIKO – Que recomendações foram feitas a partir desta Conferência?
MARGARIDA – Dentre várias, foi no pedido bastante para que como organização, fizéssemos cada vez mais, advocacia por esta causa, nos nossos países. O que propomos é criar espaços para debater estas questões, se unir com outras organizações civis e do governo, para dar visibilidade a estas pessoas, sensibilizar toda a comunidade. Porque, às vezes, as nossas organizações ficam só no seu mundo. E quando falamos dos Direitos das Pessoas deve ser uma preocupação de todos.
MOSAIKO – Qual deve ser o nosso compromisso com a promoção e defesa das pessoas com deficiência?
MARGARIDA – Acredito que cada pessoa, o Estado e a sociedade devem trabalhar pela inclusão, aceitação e oferecer suporte à pessoa com deficiência. Angola tem uma situação muito particular, nós, quase não falamos destas pessoas. Enquanto outros países como, Zimbabué, Africa do Sul, Moçambique estão a discutir questões sobre acessibilidade, transporte, garantias de outros direitos, em Angola nós se quer estamos a falar de direitos básicos, como estrada, água, luz.
Nós estamos ainda na fase da inclusão, estamos a falar de coisas muito básicas. Mas, já é um começo. Precisamos fazer mais, falar mais, acolher mais estas pessoas, estar com elas para ajudá-las a sensibilizar as comunidades. Vejo que aqui em Angola, existe um bom caminho, a aceitação das pessoas com deficiência é positiva. O que falta são políticas de inclusão e isso, nós podemos trabalhar para conseguir juntos.
Sobre o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência
A data foi criada em 1992, pela Organização das Nações Unidas e tem como objectivo: promover mais compreensão dos assuntos concernentes à deficiência e mobilizar a sociedade para a promoção e defesa da dignidade, dos direitos e do bem-estar das pessoas com deficiência.
Juntos por uma Angola melhor!