“Queremos ser reconhecidas como trabalhadoras”

Terra

Direitos da Mulher em Malanje

Todos os dias as Camponesas de Malanje repetem o mesmo ritual, acordam muito cedo, preparam-se, antes de sair de casa, se têm, deixam alguma coisa para os filhos ou netos matabicharem e saem. Percorrem longas distâncias, mais de dois ou três quilómetros para trabalhar em lavras que não são delas porque não têm documento. “A terra é do marido ou do soba”, revelam as mulheres quando se pergunta de quem é a terra que cultivam. 

Esta é a rotina diária da maioria das camponesas do município de Malanje. Todos dias cultivam mandioca, batata, milho, feijão e verduras que são a base económica de subsistência de mais de 60% das famílias dos municípios desta Província, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE- 2014).

Nós plantamos um pouco de tudo e colhemos o nosso produto. Mas na hora de vender, não tem valor, não temos transporte para trazer até à cidade, nem estrada temos”, reclama Joana Gabriel.

Já com uma certa idade, as forças já não são as mesmas, embora não queiram demonstrar, mas o olhar carrega o cansaço e desânimo, diante do trabalho pouco reconhecido por parte do governo, que não investe na agricultura. “Precisamos de poucas coisas, um tractor para ajudar a mexer a terra, algum tipo de adubo para as plantas saírem bem. Já ia nos ajudar e muito”, apela Ana Nhanga.

Cansadas de terem seus negócios roubados pelos próprios vizinhos e, outras vezes, os produtos são levados por quem deveria protegê-las, os fiscais e a polícia, que desde o ano passado, implementam a Operação Resgate. Elas denunciam: “Eles chegam, nem perguntam nada, vão só tirando as nossas coisas e levam não se sabe onde. Ficamos assim, sem nada”, uma experiência recorrente de confronto com os fiscais e polícias no município.

Organizar para enfrentar dificuldades  

Mais de 90 camponesas fazem parte de associações e grupos organizados de algumas comunidades próximas da sede da província. E para ajudar na organização e formações, contam com o apoio das   Irmãs Religiosas Missionárias Dominicanas do Rosário, Missionárias de Jesus Crucificado e Missionárias de Santa Terezinha, que ao longo de mais de duas décadas, mensalmente reúne o grupo de camponesas para reflectirem sobre algum tema que tenha haver com a vida delas, ensinar a fazer artesanato, culinária, técnicas de plantios, entre outros assuntos.

Mas para enfrentar o dia-a-dia nas lavras, recorrem à coragem e força de vontade de quem quer ter alguma coisa para colocar na mesa para os filhos, netos e demais familiares. “A vida na lavra não está fácil. E os nossos filhos e filhas mais jovens não querem ajudar no cultivo. A terra que cultivamos não é nossa é do Soba, não temos documentos que comprovam que trabalhamos lá”, desabafa Laurinda Jorge.

Como a maioria das mulheres angolanas, as camponesas de Malanje fazem parte da estatística do País, mas não têm qualquer tipo de protecção social ou ajuda necessária para continuar a viver dignamente.  Entre elas, inúmeras viúvas, por razões diversas ainda nem têm o Bilhete de Identidade ou qualquer outro documento que comprove a sua existência como cidadãs; são analfabetas e para agravar a situação, têm idade avançada.  

O Estado não as vê como quem ainda pode contribuir para a sociedade, “a impressão que temos é que fomos totalmente esquecidas aqui. Quando vamos noutras Províncias, conseguimos perceber uma ou outra melhoria, mas aqui em Malanje, não se faz sentir nada. Estamos abandonadas”, declara JoanaManassa.

E todas elas repetem com insistência:  “Não queremos chegar ao fim da vida sem ter nada, para deixar aos filhos. Nós gostamos da terra, cultivamos porque a nossa vida inteira aprendemos a fazer isto, mas, queremos ser reconhecidas como pessoas. O governo precisa olhar para nós! ”

Sobre a Formação

Estas e outras declarações foram reflectidas durante a formação sobre Os Direitos da Mulher, que decorreu nos dias 30 e 31 de Agosto, no Salão Apostólico da Igreja Católica, em Malanje.

O Mosaiko foi convidado para moderar o tema da actividade que reuniu mais de 90 mulheres das Zonas de Cangambo, Kamisalele, Kambo Kambande e Kambo Kafuxi, além de outras localidades do município sede da Província. O encontro foi organizado pelas Irmãs Missionárias Dominicanas do Rosário, Missionárias de Jesus Crucificado e Missionárias de Santa Terezinha, em parceria com a Associação das Mulheres camponesas.

Juntos por uma Angola melhor!

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