OS LIMITES DA REQUISIÇÃO NO ESTADO DE EMERGÊNCIA

COVID-19

Coronavírus

Foto: Diniz Simão (Angop)

O Estado de Emergência, tal como prevê a Constituição, no artigo 58.º n.º 2, configura-se como sendo uma situação de Excepção e/ou Estado de Necessidade, ou seja, reconhece-se que a eminência de calamidade pública obriga a que a organização estadual tome medidas excepcionais e necessárias para prevenir ou impedir o agravamento da saúde pública.

O Chefe de Estado Angolano tomou tal medida através do Decreto Presidencial 81/20 de 25 de Março para um prazo de 15 dias e prorrogou por mais 15 dias, pelo Decreto 97/20 de 09 de Abril,  já que os motivos da sua declaração se mantêm e desta forma, permanecem as medidas de Excepção Temporárias tendentes à Prevenção e Controlo da Pandemia COVID-19.

Neste contexto, a excepcionalidade coloca a nú as deficiências estruturais para garantir o Direito à Saúde, ao bem-estar social (acesso à água) e, principalmente, a todos os Direitos essenciais à manutenção da Vida. Contudo, havendo vontade, infelizmente só manifestada pela emergência, é possível criar o mínimo de condições. Resta saber se esta provisão de condições básicas permanecerá após a pandemia.

Tal como acontece por todo mundo, o número de pessoas infectadas pode aumentar e, face a este quadro, é notório que em Angola os serviços de saúde não terão capacidade para dar resposta à demanda.

Se, efectivamente, tal situação ocorrer, o Decreto Presidencial n.º 82/20, no artigo 40.º reconhece aos órgãos do Estado o uso do seu poder administrativo para requisitar pessoas e bens para, por exemplo, atender à demanda que os serviços de saúde não consigam prestar.

Ora, a requisição é um acto administrativo unilateral e auto-executório que consiste na utilização de bens ou serviços particulares pela Administração para atender necessidades colectivas em tempo de guerra ou em caso de perigo público iminente, mediante pagamento de indemnização a posteriori. 

O que pode ser requisitado

A título de exemplo, em termos de serviços particulares, pode-se requisitar enfermeiros e médicos na reforma, como prevê o artigo 32.º. n.º 3 do Decreto Presidencial n.º 82/20, para apoiar os outros profissionais de saúde a cuidarem dos enfermos onde quer que se encontrem.

Na requisição dos médicos e enfermeiros, nos termos do artigo 35.º n.º 2 do Decreto Presidencial n.º 97/20, exceptuam-se aqueles que se encontram em condições de vulnerabilidade, nomeadamente: as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos; portadores de doenças crónicas, consideradas de risco de acordo com as autoridades sanitárias.

Neste sentido, vimos recentemente o Ministério da Saúde, através do Despacho n.º 197/GAB.MIN/MS/2020 lançar mão à requisição civil. No referido documento aquele órgão ministerial convoca todos os Médicos e Enfermeiros reformados do Sector Público e Privado.

Os serviços de Protecção Civil e Bombeiros através do Ministério do Interior, havendo falta de cisternas para a distribuição de água potável, podem, igualmente, requisitar aos cidadãos que têm cisternas de água e que desenvolvem actividade de comercialização de água para o fazerem de forma gratuita, com o intuito de atender à demanda da população.

Poderá ainda haver o congelamento do pagamento dos serviços de energia e água às respectivas empresas públicas; o congelamento das prestações creditícias para as pessoas que adquiriram crédito bancário e que, agora, ficarão com maior dificuldade financeira, podem ficar sem pagar até que a situação esteja ultrapassada, para não entrarem em inadimplência (art.º 37.º); e congelamento dos prazos de arrendamento (art.º 27.º).

A recusa à requisição, constitui um crime de desobediência previsto e punível pelo artigo 188.º do Código Penal até 3 meses de prisão.

Assim, todos os esforços serão necessários para combater e prevenir a pandemia da COVID-19.

Vale a pena ainda referir que o Estado de Emergência, assim como os poderes que administração pública adopta para materializar as medidas próprias num estado de emergência, não se podem traduzir em militarização do Estado em que, inclusive, se põem em causa outros Direitos Humanos, como é o caso da integridade física.

Num contexto como o actual, os cidadãos devem cumprir e fazer cumprir as Leis a que todos estamos vinculados. Por isso, em caso de inobservância desse dever, precisamos que as forças de polícia levem o cidadão a cumprir, obrigatoriamente, as ordens de excepção, o que não passa pelo uso da força física.

Hermenegildo Teotónio – advogado

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