Angola tem legislação específica sobre terras e direitos sobre as terras. Embora a actual legislação careça de aperfeiçoamento para torná-la mais condizente com a realidade presente e a previsível do país, é um avanço considerável, comparativamente há duas décadas. Mas ainda assim, está longe de satisfazer por se considerar desfasada da realidade.
O Estado, proprietário originário da terra, o primeiro gestor e autoridade que concede direitos sobre ela, não a conhece devidamente, não tem capacidade de resposta à demanda dos solicitantes de direitos e, quando responde, raramente fá-lo cumprindo adequadamente a lei.
Alguns cidadãos tomam indevidamente os direitos de outros. Muitos cidadãos sentem-se marginalizados pelo Estado e vêem usurpados os seus direitos ou os terrenos que pretendiam por outros cidadãos mais fortes política e financeiramente.
Muitos cidadãos queixam-se da quase impossibilidade de obtenção de direitos fundiários. O Mosaiko | Instituto para a Cidadania trabalha na promoção e defesa dos direitos humanos. Tem apoiado pessoas singulares e colectivas, muitas das quais vítimas de marginalização e de violação de direitos fundiários.
Os artigos publicados nesta colecção procuram abordar os direitos fundiários na perspectiva das pessoas singulares e colectivas privadas que solicitam direitos sobre a terra. Analisando os direitos fundiários no âmbito da discriminação e de usurpação no que à terra diz respeito.
Neste contexto, a abordagem, embora jurídica, procurará ser tão detalhada quanto contextualizada possível e também, tão profunda quanto simples. Os textos serão simultaneamente independentes e interligados entre si. Cada texto será relativamente breve,[1] mas o conjunto de textos procurará abarcar o essencial sobre os direitos fundiários.
A título ilustrativo, apresenta-se abaixo um elenco de textos previstos que poderão sofrer alterações na sequência de produção.
- Terra e terreno: definição e relevância da terra enquanto recurso, do ponto de vista jurídico.
- Terra e
terreno
- Enquanto objecto, coisa sobre a qual podem recair muitos direitos
- Enquadramento no âmbito dos direitos reais
- Terra e terreno: enquadramento no âmbito da lei de terras em Angola
- Princípios fundamentais subjacentes aos direitos fundiários, em geral
- Princípio da propriedade originária da terra pelo Estado
- Princípio da transmissibilidade dos terrenos integrados no domínio privado do Estado
- Princípio do aproveitamento útil e efectivo da terra
- Princípio da taxatividade
- Princípio do respeito pelos direitos fundiários das comunidades rurais
- Princípio da propriedade dos recursos naturais pelo Estado
- Princípio da não reversibilidade das nacionalizações e confiscos
- Classificação dos terrenos
- Direitos sobre terrenos em Angola
- Direitos
fundiários obteníveis em Angola
- Introdução e breve apresentação de todos os direitos reais fundiários obteníveis (Lei 09/04, de 9 de Novembro e legislação complementar)
- Definição e contornos substantivos do direito de propriedade
- Definição e contornos substantivos do direito de domínio útil consuetudinário
- Definição e contornos substantivos do domínio útil civil
- Definição e contornos substantivos do direito de superfície
- Definição e contornos substantivos do direito de ocupação precária
- Processo administrativo de obtenção de cada direito fundiário, processo abordado passo a passo
- Direitos dos particulares em cada etapa do processo administrativo de obtenção de cada um dos direitos reais fundiários
- Obstáculos em cada etapa do processo administrativo de obtenção de cada um dos direitos reais fundiários obteníveis e sua superação
- Termo do processo de obtenção do direito fundiário
- Deveres
dos detentores de direitos reais fundiários
- Conteúdo e implicações dos deveres para detentor de cada direito real fundiário
- Gestão
adequada de cada direito fundiário obtido
- Elenco de cada tipo/tipificação de cuidados necessários para a gestão adequada
- Conteúdo e implicações de cada tipo de cuidado necessário
- Segurança do direito obtido
- Termo da concessão do direito fundiário
- Expropriação como Instituto Jurídico
- Expropriação de terras: contra que direitos?
Esta lista, embora provisória, mostra que se está diante de um caminho provavelmente longo, certamente com obstáculos, desvios e destino ainda aparentemente imprevisíveis, muito influenciados pelo próprio caminhar. Já dizia António Machado, poeta espanhol do fim do século XIX e princípio do XX:
“Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.”[2]
Este caminho proporcionará as conclusões, implicações e lições a tirar, mas mantendo viva a busca da sempre requerida “certeza jurídica”[3]. Acima de tudo, espera-se que estes textos proporcionem ao leitor suficiente substância e lhe sejam de grande utilidade.
[1] Com um máximo de mil palavras.
[2] “Proverbios y cantares XXIX”, Campos de Castilla, 1912.
[3] Cf. Sousa, Marcelo Rebelo de e Galvão, Sofia, Introdução ao Estudo do Direito, 5ª edição, Lex, Lisboa, 2000, p. 60-61; Amaral, Diogo Freitas do, Manual de Introdução ao Direito, vol. 1, Almedina, Coimbra, 2014, p. 55.