Celebramos internacionalmente a 3 de Dezembro o Dia das Pessoas com Deficiência. Porém, sabemos que pouco se fala, efectivamente, dos seus direitos e deveres, e muito menos se divulga os documentos, tanto nacionais como internacionais, que abordam a condição deste grupo da sociedade.
Às vezes, esquecemo-nos que a pessoa com deficiência é o nosso amigo, nosso colega, irmão ou irmã, primo ou prima, esposa ou esposo, mãe ou pai; convivemos com ela sem o mínimo interesse de conhecer aquilo que constitui os direitos e garantias que o Estado e os organismos internacionais reconhecem pela condição em que se encontra, nem nos preocupamos sequer em saber os deveres que eu, enquanto irmão, amigo ou pessoa próxima, tenho para com ela, naturalmente e segundo os documentos que a protegem.
No sentido de contribuir de algum modo no conhecimento e reconhecimento das prorrogativas dos documentos que protegem as pessoas com deficiência, vamos comentar os princípios fundamentais plasmados na Lei nº 21/12 de 30 de Julho, Lei das Pessoas com Deficiência.
Vale lembrar que, em 2014, segundo os dados do Censo Nacional realizado naquele ano, em Luanda (a capital e o maior centro populacional do País) a prevalência de pessoas com deficiência residentes na província era de 2,2% correspondente a 154 727 pessoas com deficiência, das quais 86 718 são do sexo masculino, representando (56%) e 68 010 do sexo feminino, o que representa (44%).
Conseguimos perceber, a partir dos dados sobre Luanda apresentados pelo Censo 2014, que deve ser preocupação social e do Estado garantir a devida atenção às pessoas com deficiência, como os direitos e garantias aprovados na lei em referência: direito de acesso a ajudas técnicas (art. 14º); direito à formação, emprego e trabalho (art. 15º); direito à protecção social (art. 18º); direito à saúde (art. 19º); direito à habitação e urbanismo (art. 20º); Direito aos transportes (art. 21º); direito à educação e ao ensino (art. 22º); direito à cultura e ciência (art. 23º); direito à prática do desporto e de tempos livres (art. 26º); a garantia de emprego (art. 35º) e de condições de acessibilidade (art. 40º, este da Lei nº 10/16 de 27 de Julho – Lei das Acessibilidades).
Para além dos que nascem, naturalmente, com deficiência, muitas razões podem estar na origem da sua aquisição ao longo da vida, desde a má alimentação, a depressão, o estilo de vida, a situações eventuais como acidentes e tantas outras que aqui omitimos.
Mas, não importando as origens, as pessoas com deficiência têm princípios reconhecidos pelo Estado que, a nosso ver, se encontram ainda distantes das práticas diárias. São os 12 princípios fundamentais descritos no artigo 4º da Lei nº 21/12 de 30 de Julho.
- O primeiro princípio é o da singularidade, que considera as particularidades das deficiências das pessoas. Ainda que possuam deficiência, estes homens e mulheres não podem ser tratados todos do mesmo modo, pois se um é paraplégico, o outro pode possuir cegueira. O tipo de deficiência exige uma forma particular de tratamento. Mesmo possuindo deficiências parecidas, a singularidade reconhece tratamentos diferentes em função do grau da deficiência: uns podem possuir cegueira total e outros parcial. É nesse sentido que o princípio da singularidade se faz necessário na abordagem e no tratamento para com a situação das pessoas com deficiência.
- O segundo princípio é o da cidadania, que considera dois grandes aspectos deste exercício: por um lado, a pessoa com deficiência tem direito ao acesso a todos os bens e serviços da sociedade, por outro, tem o direito e o dever de contribuir activamente para o desenvolvimento do País.
- O terceiro princípio é o da não discriminação, que pede às pessoas a não realizarem actos que ofendam a condição de certa incapacidade física ou mental da pessoa com deficiência. Qualquer acção ou omissão deve ser com o fim de ajudar a integrá-la mais na vida social, não o contrário.
- O princípio da autonomia defende que, tal como todos os cidadãos têm o direito de decidir sobre si, a pessoa com deficiência também o tem. Aliás, deficiência nenhuma deve tirar a dignidade que naturalmente a pessoa ganha pelo facto de ser pessoa. Desde que haja garantias de que esta toma a decisão em sã consciência e não desde que ofenda os princípios legais e culturais que envolvem o indivíduo, esta deve-lhe ser respeitada. Ninguém goza melhor os seus direitos nem exerce os seus deveres, se não os souber, por isso, o princípio da informação é deveras importante para a pessoa com deficiência, e não só. Este princípio estabelece uma relação muito estreita com o princípio da participação, que exige que a pessoa com deficiência deve participar no planeamento, desenvolvimento e acompanhamento da política de prevenção, habilitação e reabilitação.
- O princípio da globalidade diz que a pessoa com deficiência tem o direito a tudo aquilo que lhe seja necessário ao longo de toda a vida.
- O princípio da qualidade enuncia que a pessoa com deficiência tem o direito de beneficiar de bens e serviços de qualidade, sobretudo no âmbito na prevenção, habilitação e reabilitação, que deve atender à evolução da técnica e às necessidades pessoais e sociais.
- O princípio do primado da responsabilidade pública exige ao Estado o dever de criar condições para a prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência.
- O princípio da transversalidade roga à envolvência de todos os domínios da sociedade na política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, junto com o princípio da cooperação que defende o trabalho articulado e cooperado entre o Estado e as demais instituições públicas e privadas na concretização da referida política.
- E por último, mas não menos importante, é o princípio da solidariedade, que chama à contribuição de todos os cidadãos na política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência.
Todos estes princípios referem-se ao ideal a que todos nós, governos, organizações e pessoas singulares, somos chamados a contribuir para juntos o alcançarmos.
Entretanto, salvo os nascidos naturalmente com deficiência, mais do que garantir os direitos, é preciso que as pessoas, de modo singular, e o Estado criem mecanismos para impedir que mais pessoas adquiram deficiência ao longo da vida, como realizar campanhas eficazes de combate a Poliomelite e outros males inerentes, e criar medidas de protecção das pessoas contra os acidentes rodoviários, acidentes no local de trabalho, e de todo o tipo.
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