Elites colonizam comunidades no sul de Angola

“Depois das ocupações forçadas, as empresas tentam criar um ambiente saudável, oferecendo emprego às vítimas, incluindo crianças, que fazem trabalho escravo, havendo até um capataz para chicotear, como na época...

“Depois das ocupações forçadas, as empresas tentam criar um ambiente saudável, oferecendo emprego às vítimas, incluindo crianças, que fazem trabalho escravo, havendo até um capataz para chicotear, como na época colonial”, revelou Cecília Cassapi, da Associação Construindo Comunidades (ACC), durante a mesa redonda sobre o “Acesso à Terra como um Direito Humano”, no passado dia 22 de Abril, no Auditório das Irmãs Paulinas, em Luanda.

Para a defensora dos direitos humanos, a propagada diversificação da economia tem sido usada para justificar, agravar os casos de expropriação de terras e a violação dos direitos humanos. “Retirar a terra de uma comunidade é apagar a identidade de um povo e tirar-lhe a vida”, advertiu.

Além disso, Cassapi acrescentou que os desmatamentos de milhares de hectares de terras comunitárias estão a acontecer em todo o País, com realce no sul, dando lugar a fazendas e a empresas mineiras, sob a alegação de um interesse público, mas no fim, acaba por se tratar de um negócio privado de uma entidade estrangeira ou de indivíduos ligados ao Governo. As comunidades são desalojadas, os túmulos dos seus ancestrais são profanados, perdem o sustento que provinha da terra, tornam-se vulneráveis, vítimas de abusos ou de práticas violentas e são exploradas.

Bernardo de Castro, director da Rede Terra, que também fez parte da mesa redonda, revelou que a actual legislação da terra coloca em causa os direitos fundiários das comunidades e a situação fica mais agravada com a falta de programas para a gestão de conflitos de terra, o que leva à injustiça fundiária que privilegia determinada elite que restabelece uma relação de colonizador e colonizado.

“O problema da gestão fundiária não está só na lei, mas também no próprio Governo. Aquando da materialização das políticas legais por eles mesmos estabelecidas, mais do que lacunas, verificam-se violações legais”, acrescentou Bernardo.

Por sua vez, Gabriel Kauvi, membro do Núcleo dos Direitos Humanos do Capelongo, Matala, narrou como a sua comunidade viu as suas terras ocupadas sem conhecimento prévio nem consentimento, com abuso de poder e violência, para dar lugar a uma fábrica de tabaco. “Se me tiraram as lavras, como é que eu vou sustentar a minha família?”, questionou o também catequista.

O encontro organizado pelo Mosaiko contribuiu para a discussão e debates públicos sobre os desafios em Angola no acesso à terra e reflexão sobre os entraves para que o acesso à terra seja um direito humano em Angola, além de saudar o Dia Mundial da Terra. Nesta ocasião ainda procedeu-se à entrega dos prémios aos vencedores do concurso académico de selecção de trabalhos académicos sobre Desenvolvimento Local, Ambiente Sustentável e Economia Circular, nomeadamente, os estudantes José Camongua Luís, da Huíla, e Kabongo Celestino, do Moxico.

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