Conheça a história da alfabetizadora Celina Sebastião

Rubrica Mulher e Desenvolvimento: uma história inspiradora em prol do Desenvolvimento de Angola

Sou uma mulher que em tudo o que faço coloco o meu coração

A mulher pequena de estatura, de um coração enorme, que tem um amor grande pela terra, e sente-se muito feliz por ser uma das alfabetizadoras do “Projecto de Alfabetização Mutuê, Muxima, Moko e Malu”, coordenado pelas Irmãs Catequistas Franciscanas, no Bairro Kalawenda-Cazenga, chama-se Celina Sebastião. Ela é a mãe da Maria de Nazaré, do Ernesto e do João.

Nascida em N`Dalatando, no Kwanza Norte, ela conta que desde muito cedo aprendeu a enfrentar os desafios da vida, aos sete anos perdeu o pai, e a mãe ficou viúva. Assim, ela teve de ir viver com uma tia, porque a mãe não tinha condições para cuidar dela e dos irmãos. “Lá, graças a Deus, minha tia e meu tio me ajudaram muito, me deram estudo. Eu agradeço muito!”, fala Celina.

No Kuanza Norte ela estudou até a quarta classe, e teve que abandonar os estudos  aos 16 anos porque engravidou. A chegada da sua primeira filha, a Maria de Nazaré, que hoje tem 22 anos, foi motivo de muita alegria, mas também de preocupação, porque ela ainda era muito jovem e não sabia como cuidar de uma criança. “Minha família me ajudou”, comenta com um certo ar de alívio para tanto compromisso.

Um pouco mais tarde, a chegada dos outros dois filhos, o Ernesto que hoje tem 18 anos, e o João que tem 14 anos ensinou-a a viver, a ser mãe, a assumir responsabilidades. Essa responsabilidade aumentou ainda mais quando em 1996, seu esposo ficou muito doente e a família dele o levou para Benguela. Ela nunca mais teve notícias a não ser quando ele veio a falecer. “Foi um tempo muito difícil!”. Ao contar esta história, Celina paira o olhar no horizonte e parece reviver num segundo aqueles momentos tristes.

Na época ela tinha apenas 24 anos, viúva, e com três crianças para cuidar. Foi obrigada a vir para Luanda onde tinha a mãe e irmãos.

“Ao chegar aqui na cidade grande, eu praticamente tive uma depressão. Não conseguia sorrir, as preocupações eram demais! Pensava como que sozinha iria cuidar dos três filhos pequenos, além disso, estava a viver de favor na casa da minha mãe. Mas Deus foi a minha força!”, exclama.

Sou uma mulher que não tenho medo da vida

“Por ser uma mulher que nasceu e cresceu na aldeia, tive que aprender a viver aqui na cidade. Embora sentisse dentro de mim uma tristeza grande, mas graças a Deus, a minha fé me ajudou e me ajuda muito. Lembro-me que logo que cheguei em Luanda, todas as manhãs eu ia para o grupo de oração, rezava com as outras manas, depois varríamos o quintal da igreja e voltava para casa. Até que um certo dia, uma irmã chegou e me disse: “Mana não fica assim triste, vamos sair vender alguma coisa por aí, nas praças”. Então fui com ela até à praça do São Paulo, compramos roupas e começamos a zungar. Para mim, que sempre vivi nas lavras, a zunga foi um desafio, mas enfrentei. Sou uma mulher que não tenho medo da vida! Saía de casa muito cedo, às seis horas já estávamos nas ruas a vender, e voltava para casa só depois das 18 horas. Vivi muitos anos assim. Da zunga eu tirava o sustento para os meus filhos e ajudava a minha mãe em casa.

Os anos estavam a passar e as minhas crianças já começavam a crescer. E a casa da minha mãe já estava a ficar pequena, foi então que resolvi sair de lá e alugar uma casa para mim e os meus filhos e com os valores da zunga eu pagava. Não foi fácil, mas conseguia nos sustentar.”

Ser alfabetizadora é um sonho que motiva

“Tudo começou quando uma vez estávamos na capela a conversar (um catequista, uma moça e eu) e comentávamos que pouquíssimas mamãs do grupo sabiam ler, e todas as vezes que nos reuníamos, éramos apenas os três quem fazíamos e explicávamos as leituras. Então pensamos em criar um grupo de alfabetização.

E ali mesmo na capela do grupo, começamos com um pequeno grupo de alfabetizadoras e alfabetizandas. Depois a coordenação da Paróquia de Santa Madalena viu que estávamos a dar aulas e decidiu organizar também na comunidade. E logo iniciaram as aulas para as crianças, e desta ideia surgiu a Escola Santa Madalena, que funciona até hoje.

Com isso o meu sonho aos poucos foi se tornando realidade. Eu sinceramente sinto uma alegria muito grande de ser alfabetizadora! Na alfabetização, eu ensino e aprendo mais. Quando estou a alfabetizar, estou a aprender também. Isso me motiva muito.

Estou neste serviço desde 2009. Graças a Deus e ao nosso trabalho, hoje muitas mamãs que passaram pela alfabetização, já estão a fazer a oitava classe, outras até conseguiram entrar na faculdade, ou conseguiram um trabalho. Sinto muita alegria de poder ajudar essas mamãs. Eu que pensava que não poderia fazer nada, porque só sabia viver na lavra, não sabia fazer negócio, nada. E só dependia do meu marido. Hoje, ser quem eu sou, tenho que dar muitas graças a Deus e às pessoas que me ajudaram. Agradeço as Irmãs Catequistas Franciscanas que me acolheram e me tratam como filha. Eu ainda tenho muitos sonhos, um deles é o de continuar a estudar. Infelizmente hoje não tenho meios, mas acredito que vou conseguir”, fala confiante.

Acredito sempre na capacidade de transformação das pessoas

“Na minha rua havia uma jovem que levava uma vida de bebedeira e prostituição. Um dia conversei com ela, depois levei-a para a comunidade, e perguntei se ela queria estudar. E ela disse que sim. Matriculou-se na alfabetização, hoje ela tem um trabalho, é padeira, e aonde ela me vê, me saúda e me chama de mãe. Nestes tempos me encontrei com ela, e me disse que vai fazer faculdade de medicina. Essa jovem me marca muito, sinto-me orgulhosa de fazer parte desta história. Quero poder incentivar outras mamãs a terem essa coragem de fazer algo.

E na minha própria história eu sinto como se tivesse sempre uma fonte de água viva. Tantas coisas boas que recebo, as formações do Mosaiko, as Irmãs Catequistas Franciscanas, as pessoas que me ajudam, o grupo de oração, a comunidade. Em tudo isso tem muita energia boa. E quando estou um pouco triste, penso nessas formações que já recebi, penso nas Irmãs, penso no Mosaiko e o meu coração fica forte de novo.”

É essa confiança que faz com que Celina coloque toda sua energia para trabalhar, seja com as mamãs na alfabetização, seja no cuidado com a natureza. “A minha família também me ensinou a ir para a lavra, plantar, cultivar e colher. Para Celina, a terra é nossa mãe, porque nos sustenta. “E onde encontro um espaço, penso logo em plantar, cultivar. Quando eu planto, o que eu colho me dá mais força, porque dali é que vou sustentar as crianças”.

Ao falar da sua fé religiosa, Celina convictamente afirma: Deus é minha força! Sinto-me alegre por viver a fé na comunidade, e também por acolher as crianças da catequese.

Sou movida pela esperança

“Como disse, tenho muitos sonhos, e um deles é ver essas crianças e jovens com um futuro melhor, que eles possam ter mais dignidade. Embora estejamos a viver tempos difíceis. E para as mamãs que se encontram em situações difíceis. É só terem a coragem, não fiquem em casa sozinhas, vão numa comunidade, num grupo, estejam junto das outras, peçam a Deus para que vos ajude, não abandonem as vossas crianças, ainda que estiverem tristes, olhem para as vossas crianças, porque elas é que nos dão força. Eu sou movida por esta esperança!”

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