“As fronteiras da liberdade têm que ser revistas”

Cidadania em Debate

Entrevista

O escritor angolano, Ondjaki, esteve no passado dia 10 de Agosto, no jango do Mosaiko, em Viana e além da literatura, falou das limitações na criação artística num contexto em que o conceito de liberdade ainda está em construção.

No Cidadania em Debate moderado por si, o tema foi “Arte e Cidadania: Literatura o que conta”. O que conta a literatura?

Quando eu digo: O que a literatura pode contar e englobar, é uma provocação. Não cabe a mim dar as respostas, posso é dar a minha opinião e de facto, tudo cabe na arte. Penso que a arte, a literatura não podem estar limitadas, no sentido de não oferecer limitações ao que pode ser contado pela literatura.   

Como vê a literatura em Angola?

Não posso aqui, em cinco minutos, avaliar toda literatura nacional, por outra, não sou avaliador… Mas há aspectos mais gritantes, estar a dizer aos jovens, por exemplo, o que é ou não literatura, mas o conteúdo da poesia oral e o que agora os jovens chamam “Spoken Word”, a palavra falada, é muito interessante, tem muito conteúdo literário e pode ser ou não considerado literatura. É uma produção muito forte, neste momento, mais até do que a escrita.

A poesia escrita, por exemplo, envolve fazer o livro, conseguir que se publique… Já as sessões de poesias faladas são mais dinâmicas e acontecem em todos os bairros.

Que cuidados os artistas devem ter quando criam uma obra literária ou artística?

O artista deve ser honesto e verdadeiro consigo mesmo. Que história quer contar? Que poema quer escrever? Ter o cuidado de “não dar o passo maior do que a perna” e eu diria ainda “não dar o passo com a perna dos outros, dar o passo com a sua própria perna”.

Tem algo para contar? Sente? Já  está  maduro o suficiente para ser escrito ou dito?  Escreve! É tão simples quanto isso, agora a arte tem um caminho de confrontação, não é confrontação no sentido de competição com os outros. Eu preciso ler e saber para confrontar aquilo que eu iria dizer com aquilo que já foi dito.

Já muita coisa foi dita, convém ler um bocadinho e depois até desistir ou continuar se ainda tem algo que vale apena ser dito.

Os artistas têm usado a liberdade de criação com responsabilidade?

Acho que em Angola se está a debater muito essa questão. Começa-se a perceber que, sim, é preciso, é bom termos acesso à liberdade, mas o conceito e as fronteiras da liberdade também têm que ser revistas e debatidas. Mas este é  um momento histórico em Angola, de celebração porque saímos de uma época em que a liberdade de expressão não era exercida no seu todo.

A literatura pode ser inspiradora, motivadora?

Eu vejo a literatura como algo que pode trazer coisas novas à nossa vida, sonhos… é algo que faz viajar e também ensina. Ler um livro de um autor Japonês é também viajar não ao Japão, mas à cultura japonesa, agora que tipo de livro é que faz o cidadão viajar?

Eu quero que as pessoas sejam felizes, a ler livros ou a não ler livros. Se te faz feliz não ler um livro podes não ler, a única diferença é que se te faz feliz ler um livro, além de feliz, vais aprender qualquer coisa.  

Que importância tem a literatura para a vida?

A vida humana alcançou um grau de representação artística através da criação literária, ou seja, a criação literária não deixou de ser divertimento, prazer… Mas proporcionou à humanidade uma compreensão diferente dos factos quotidianos: é uma espécie de espelho artístico e crítico.

Melhora o funcionamento do cérebro, estimula a criatividade, apura o senso crítico. É um elemento chave para a construção dos nossos pensamentos.

Que apelo deixa aos escritores da nova geração?

Bem, acho que a ideia de confronto, encontrar outras tendências, procurar ler… Se a pessoa é pintor vai conhecer as obras de outros pintores, no caso do escritor é a mesma coisa. E é importante buscarmos algo que nos desafie.

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Construindo Cidadania 691 – Ilícito de mera ordenação social, transgressões administrativas e infracção de trânsito