As zonas de fronteira como México e Estados Unidos, Angola e República Democrática do Congo, Moçambique e África do Sul, foram abordadas durante a Conferência – Reconstruindo vidas nas fronteiras: Desafios no atendimento junto aos migrantes e refugiados,que decorreu em Benoni – Joahnnesburg, na África do Sul, de 4 a 6 de Dezembro, passado.
Mais de 60 pessoas de 12 países diferentes, assistiram às apresentações dos resultados das pesquisas, a maioria dos investigadores ressaltaram a actuação das organizações que trabalham directamente com migrantes e refugiados. Destacando a motivação, o acolhimento de cada pessoa, como prática frequente das irmãs e organizações que prestam serviços à mobilidade humana naquelas regiões.
A missionária Scalabriana, Mariane Chiesa, partilhou que entre 2009-2010, na província do Uíge, o trabalho mais directo com os angolanos retornados da República Democrática do Congo, foi pautado pela solidariedade e acolhimento, além do voluntarismo na construção de casas e postos de atendimentos básicos de saúde, o que ajudou a reconstruir suas vidas naquele momento.
Para os pesquisadores brasileiros, Igor Borges Cunha e Nathalia Vince, que estiveram envolvidos, directamente no campo dos refugiados e migrantes, na cidade de Tijuana, no México, existem gestos essenciais para permitir que os refugiados emigrantes sigam as suas escolhas e objectivos: As boas práticas das redes de solidariedade criadas entre os próprios migrantes e refugiados; A criação de cidades-refúgio; O fabrico de pães; As oficinas de costura; A motivação para que os migrantes voltem ou comecem a estudar; O trabalho sócio-pastoral; A busca de recursos para os atendimentos; a articulação da sociedade civil e grupos religiosos para os serviços voluntários.
Também o sociólogo angolano, Paulo Inglês, partilhou a sua pesquisa com adolescentes e jovens das aldeias da pequena Vila Ressano Garcia, em Moçambique que tentam chegar a África do Sul. Naquele lugar, a fronteira não é só um artefacto político, “é também um lugar de negociação da lei. Pois há todo um sistema que envolve a vida das pessoas, a polícia, as casas de câmbio, a rede de telemóvel,enfim, tudo está interligado, quando se trata da imigração”.
A reintegração dos retornados angolanos na província do Uíge, vindos da República Democrática do Congo, foi um trabalho de pesquisa que resultou no livro: “Angola é a nossa casa” – em que o sociólogo traz experiências de regressados que puderam encontrar na Comissão de Solidariedade da Igreja Católica, na Cáritas eno trabalho com as Irmãs Scalabrinianas, o apoio para reconstruírem as suas vidas, depois de terem sido expulsos da RDC.
”Quando regressou a Angola, decidiu deixar a família na RDC, já que os filhos estavam terminando os estudos. O seu objectivo era entrar em Angola e criar condições para que pudesse trazer a família, mas, antes disso, precisava trabalhar para conseguir pagar os estudos dos filhos. Não dispunha de meios financeiros para comprar uma máquina de costura nem conseguia emprego numa alfaiataria. As Irmãs Scalabrinianas, que tinham máquina de costura avariada nos armazéns da Cáritas, propuserem que, caso conseguisse concertar a máquina, poderia utilizá-la enquanto não conseguisse comprar uma nova. Ele conseguiu fazê-la funcionar,arrendou um espaço em um quintal e montou uma alfaiataria: concertava, fazia roupas novas para vender e com esse dinheiro enviava uma parte para a família e usava a outra parte para pagar o espaço onde funcionava a alfaiataria”. Esta e outras histórias podem ser lidas com mais detalhes no livro. (Ver o Livro em – https://www.csem.org.br/livros/angola-e-a-nossa-casa/)
DESAFIOS NO TRABALHO COM OS MIGRANTES E REFUGIADOS
Além de abordarem os contextos dos imigrantes, migrantes e refugiados, foram igualmente destacados, os desafios no atendimento a estas populações que vivem em consequente trânsito. A psicóloga Marivic Garcia Mall, que é especialista no trabalho com refugiados vítimas de traumas, há mais de 10 anos, aponta que a maioria das pessoas migrantes vive em constantes conflitos e violências doméstica e sexual. Segundo Marivic, muitas vezes não têm sequer espaço para chorar as suas dores e os seus lutos. “Isto requer processos específicos para se reconciliarem e reconstruírem as suas vidas”, enfatizou.
Já a irmã missionária Scalabriniana, Ana Sílvia Zamin, que trabalha numa casa de acolhimento de migrantes e refugiados, na Cidade do México, destacou que um outro desafio é o acolhimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais,Transgéneros e Intersexuais (LGBTTTI). Actualmente, na cidade do México, existe apenas uma casa para acolher esta comunidade. “O acolhimento para nós, é receber cada uma, cada um como irmão, irmã”.
Para além destes desafios, os pesquisadores também foram unánimes em destacar que a xenofobia, os conflitos internos e o exercício dos direitos são barreiras frequentes na realidade migratória.
CARTA ABERTA DIRIGIDA À SOCIEDADE CIVIL E GOVERNOS
Aos participantes não coube apenas o compromisso de ouvir os resultados dos estudos. Ao longo da Conferência as reflexões motivaram a elaboração de uma carta aberta, para divulgar o apoio aos migrantes e refugiados, e ao mesmo tempo, apelar e sensibilizar a sociedade civil e os governos para as questões migratórias a nível mundial.
No final da Conferência, o director-geral do Mosaiko, frei Júlio Candeeiro, destacou algumas recomendações de trabalho, entendendo que o Mosaiko precisa aprofundar o seu trabalho com os migrantes e estar atento às experiências apresentadas, “precisamos reafirmar a nossa presença e pertinência junto da rede de apoio ao migrante. Uma vez que trabalhamos com Grupos Locais que estão em zonas fronteiriças”, concluiu.
SOBRE A CONFERÊNCIA
O evento teve o apoio da Misereor e foi promovido pelo Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), que tem sede em Brasília, no Brasil, e é coordenado pelas Irmãs Missionárias Scalabrianas.