A apresentação do relatório de pesquisa da Avaliação Participativa sobre o Acesso à Justiça 2019/2020, esta segunda-feira, 21 de Setembro, proporcionou uma reflexão que repensa a justiça e os Direitos Humanos em Angola.
Esta é já a quarta pesquisa e subsequente relatório que o Mosaiko | Instituto para a Cidadania apresenta sobre o Acesso à Justiça. E em dia internacional da paz, Júlio Candeeiro, director geral do Mosaiko, abriu a sessão que decorreu em plataforma digital, destacando que “sem justiça não há paz”. Este relatório, tal como outros, foi limitado pela ausência de “ordens superiores” que viabilizassem as entrevistas com os responsáveis. E “é assustador que ainda tenhamos instituições públicas com este comportamento”, confessou o director geral.
Com foco em Cabinda e Zaire, províncias com forte exploração de petróleo e madeira, o relatório reúne conclusões que o catedrático português convidado, Boaventura de Sousa Santos, mesmo tendo reconhecido alguns avanços, disse coincidirem com as ilações dos estudos que realizou, em Angola, há 10 anos.
Defendendo a democratização do Estado a partir de uma política social e uma reforma política sob a premissa dos Direitos Humanos, Sousa Santos questionou: “Em África em geral quando se fala de acesso à justiça, fala-se de que justiça?”; “E o que é o direito em África?”.
O professor sublinhou a importância de acolher o pluralismo jurídico que permite a existência de outros direitos, tais como o direito ancestral tendo as autoridades tradicionais como agentes que pensam o direito de maneira diferente. Muito embora seja necessário despolitizar estes agentes para uma “Angola melhor, mais inclusiva e menos sexista”.
“O Estado Angolano herdou o estado colonial, as autoridades angolanas não gostam de ouvir isto, mas a matriz deste Estado é colonial, hostil à variedade e diversidade do país. É um Estado monolítico e eurocêntrico”, afirmou Boaventura de Sousa Santos, considerando que colocar as autoridades tradicionais de lado, é um erro. “As autoridades comunitárias são a primeira instância do direito”.
Uma perspectiva corroborada por Sizaltina Cutaia, representante da sociedade civil, durante a mesa redonda, dando exemplos de países em que a inclusão das autoridades tradicionais resultou e melhorou o acesso à justiça.
Por sua vez, a secretária de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania, Ana Celeste Januário, também participou na mesa redonda, admitiu o desconhecimento que os cidadãos têm quanto aos seus direitos e como isso limita a conquista e efectivação desses direitos. No entanto, revelou que em “dez anos passamos de 30 mil para 150 mil processos em tribunal”.
E quanto aos resultados apontados no relatório, Ana Januário prometeu: “Vamos analisar com as nossas equipas e verificar como estamos a trabalhar com cada uma delas e depois, sentar com a equipa do Mosaiko e responder”.
Rosa Melo, directora nacional das Comunidades e das Instituições do Poder Tradicional, participou na mesa redonda, informou que está em conclusão uma proposta de lei para regular as Autoridades Tradicionais, mas admitiu que “é preciso sentir, ouvir as comunidades e traçar este caminho que o Mosaiko tem vindo a desenvolver. Sentimos que poderemos trabalhar em conjunto”.
A mesa redonda contou ainda com Iury Santos, director nacional de Prevenção e Avaliação de Impactes Ambientais, o rei de Mbanza Congo, Afonso Mendes, e o bispo de Cabinda, D. Belmiro Tchissengueti, que relembrou que “continua o medo de falar. Daqui a pouco voltamos à escravatura sem darmos conta disso. Não podemos continuar assim, temos que mudar as coisas”.
Juntos por uma Angola melhor!