Diz-se, na gíria popular, que o Sol, quando nasce, é para todos.
E uma pandemia? Quando nasce é para todos? Para todos e todas de igual forma?
As medidas tomadas pelo governo, ao declarar o Estado de Emergência, deixam a descoberto, de forma ainda mais gritante, a fragilidade do tecido social angolano.
A hipótese de se poder contar com um sistema público de Saúde, com fornecimento de água regular em todas as casas ou de apoio social às famílias é nula.
Para milhares de mulheres e homens, cuja forma de subsistência depende do sector informal, a ideia de distanciamento social ou de quarentena é um luxo que não podem alcançar. Sair para vender e correr o risco de ser contagiado por um vírus, ou não sair e não garantir uma refeição diária, fica no nível de decisão que deixa de ser uma indecisão: a resposta é que se vai sair, vai-se para a rua, ainda com mais perigos do que os habituais – tendo em conta a atitude violenta das forças policiais, que têm sido documentadas em vídeos amadores – e arrisca-se o vírus em troca de uma refeição e alguns kwanzas no bolso.
A maioria dos angolanos participa no sector informal ou porque é o seu único meio de subsistência ou porque recorre a este ramo para adquirir bens e serviços. Do lado de quem tem, no sector informal, a sua forma de obter rendimento, a maioria, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, são mulheres que, todos os dias, invadem as praças e as ruas com bancas, banheiras e fardos.
Elas são as principais provedoras da família e para quase todas, a venda dos produtos é transformada em bens de primeira necessidade que diariamente alimentam, vestem e educam os filhos, mesmo quando se continua a atribuir ao homem o papel de chefe de família.
Por isso a pergunta: uma pandemia, quando nasce, é para todos? Todas as pessoas terão contas a fazer, situações difíceis (e os sofrimentos não se comparam), mas a possibilidade de garantir uma refeição, armazenar comida ou ter uma garrafa de gás suplente, não é para todos. Muito menos para todas.
O sector informal é precário e será, durante um estado de emergência, em que cada vez mais pessoas perdem o rendimento diário, especialmente o grupo que se dedica ao comércio informal, que não foi proibido, mas muito condicionado.
Nos últimos dias, assistimos à movimentação de pessoas inquietas porque não podem ficar em casa, onde não há pão nem água e à irritação visível das autoridades que, sem pudor, engrossam a voz e desferem ameaças. E desta forma, esperam travar milhares de mulheres que com o seu trabalho, alimentam agregados familiares e muitas crianças, sem qualquer tipo de apoio, de resto algo que para o sector informal, nunca existiu.
A estas mulheres, o governo diz: Fiquem em casa e esperem pelo Programa de Fortalecimento da Protecção Social anunciado agora, que dizem poder beneficiar cerca de um milhão e seiscentas famílias nos municípios mais pobres do país através de apoio monetário e/ou incluí-las em actividades geradoras de rendimento.
Mas o que foi preparado, por Políticas Públicas de continuidade, para que, mesmo sem ameaças de vírus inesperados, a população mais vulnerável não fique à mercê de acontecimentos que ultrapassam a sua capacidade de resolução?
Infelizmente o quadro é este: Muitas mulheres e crianças continuam sem Registo Civil e sem Bilhete de Identidade, o que à partida não possibilita conhecer realmente os agregados familiares e distribuir apoios financeiros com justiça. Por outra, apesar do sector informal, empregar muitas mulheres, não há descontos regulares à Segurança Social, logo também não há acesso a reforma, apoios sociais ou apoio na maternidade…
Além da contenção da pandemia, Angola é hoje, mais do que nunca, desafiada a combater a indiferença do que propor programas desfasados da realidade da sua população. Não se pode exigir de uma mãe que deixe de vender na praça. Mas pode-se exigir de um Estado que cuide dos mais vulneráveis.
Lia B. Lima