Angola tem traços identitários próprios, diferentes e dispersos que estão em permanente confronto com o resultado da aculturação. Neste contexto, falar do que é ser Angolano(a) torna-se ainda mais complexo.
“Já fui a vários lugares e tive a oportunidade de trabalhar com pessoas que não são de onde eu sou e, confesso, senti-me sempre desafiado ao descrever qual era a minha identidade”, confessou Júlio Candeeiro, director geral do Mosaiko, ao iniciar o Cidadania em Debate sobre Cultura e identidade, no passado sábado, 10.
Apesar da ideia de “um só povo e uma só nação” ter o seu efeito positivo, considerou o director geral, por ser “uma de chamada à unidade”. Todavia, tem o seu lado negativo por esquecer as “especificidades” de cada povo que constitui o mosaico angolano.
“Quando uma estratégia política ou um slogan ignora as diferenças culturais, por um lado perde a riqueza da especificidade identitária de cada povo, mas também corre o risco de não prestar atenção às dificuldades que podem existir nas relações entre povos que constituem o mesmo país”, sublinhou.
A cultura é constituída pelos “traços característicos de um povo e são os povos, as sociedades, grupos e subgrupos quem a constrói. Não existe uma cultura maior que outra. Muitos dos fracassos da humanidade resultam de falhas nos processos de negociação e “do querer obrigar o outro a fazer como eu faço”, relembrou Júlio Candeeiro.
Citando a Constituição da República de Angola, reforçou ainda que “é reconhecida a validade jurídica do costume que não seja contrário à Constituição, nem atente contra a dignidade da pessoa humana.”
Nesta sequência, o facilitador do encontro que juntou cerca de 30 jovens no jango do Mosaiko, em Viana, passou a listar alguns fenómenos que destruíram, alteraram ou substituíram o sentido de alguns ritos e valores. Fazendo notar também, o que neste processo se perdeu, dando como exemplo, a solidariedade.
Globalização e questionamento
“Os povos menos expostos pela colonização e em zonas, em que a guerra não foi grande palco de conflito armado ainda encontramos muitas características identitárias, mas a verdade é que estas identidades são bombardeadas com a ideia de Nação-Estado e pelo fenómeno da globalização. As nossas identidades culturais são todos os dias bombardeadas”, referiu.
Por outro lado, práticas como da circuncisão e do pedido também foram referenciadas. O pedido como uma forma de “negócio” e a circuncisão, nos rituais de iniciação, como prática que agora, exige novos cuidados, considerando o uso da anestesia, por exemplo. Júlio Candeeiro alertou para o dever de questionar as práticas culturais para não se correr o risco de repetir só por repetir. “Devemo-nos questionar se o instrumento para aquele símbolo continua a ser válido ou não. Devemos reflectir em como preservar a cultura sem nos
prejudicarmos e não nos escandalizarmos quando não pudermos repetir o ritual tal e qual como fizeram os nossos antepassados”.
Não escaparam à abordagem questões como aculturação e o cristianismo, implementados de forma forçada pelo colono: “Eu também gostaria de saber como é que África seria sem os europeus, mas a verdade é que fomos colonizados e este facto não podemos mudar”, referiu, acrescentando que “cada um tem um espaço de emancipação para preservarmos as nossas identidades culturais”.
“Concordo que é preciso uma leitura mais verdadeira da história. Nós aqui, infelizmente não bastou a colonização, depois disto, ainda causamos mais danos”, concluiu.
Apoio: Misereor