A Análise do OGE na perspectiva de Género está disponível ao público e, segundo Daniela Vieitas, gestora do projecto sobre Políticas Públicas Inclusivas em Angola, esta publicação propõe repensar a feitura do Orçamento Geral do Estado para diminuir o fosso entre Mulheres e Homens.
Por que analisar o Orçamento Geral do Estado na Perspectiva de Género? O que pode mudar num país que tenha esta sensibilidade?
O OGE é um documento muito importante, onde o executivo prevê as receitas e as despesas que deverá ter num determinado ano, no fundo, tal como nas nossas famílias, numa escala mais pequena, para a boa gestão de um país é necessário sabermos que receitas teremos e onde se vai investir esses valores (o mesmo exercício que fazemos em casa, quando decidimos onde vamos gastar o salário) . Mas o OGE não é apenas esta visão simplista entre “o que vou ganhar e onde vou gastar”. É uma das ferramentas mais importantes de política económica, pois revela as prioridades de um governo. Por exemplo, só podemos contar com melhorias no sector da Educação se forem desenhadas políticas para esse sector e, no OGE, estiver previsto dinheiro suficiente para que essas políticas sejam possíveis.
Uma determinada política pública sem verba alocada em OGE não passa de uma ideia. Assim, também para as questões de Género. A diminuição do fosso entre as oportunidades para Homens e oportunidades para Mulheres, nas suas diferenças, igualdades e potenciais, só poderá acontecer se o OGE reflectir essa vontade. Existem critérios para se avaliar se um OGE é sensível ao Género.
Que critérios são estes?
Alguns dos critérios aplicados são analisar os programas específicos e identificar os que respondem e os que não respondem a questões de Género. Por exemplo, investir em equipamentos de saúde materno-infantil tem efeitos positivos para as Mulheres; investir no sector da Habitação tem efeito neutro, já que, supostamente, favorece, de igual forma, mulheres e homens; desagregar os valores do OGE por programas e por beneficiários e beneficiárias, desagregar os beneficiários por Género, em qualquer sector, ajuda-nos a perceber se um determinado investimento chega mais a homens ou mais a mulheres.
Em Angola, as mulheres são as que produzem, tem maior produtividade, ainda que informal, mas do ponto de vista do OGE, são menos beneficiadas, estimuladas e protegidas?
Num certo sentido podemos dizer que sim, que as mulheres produzem mais em Angola. Primeiro, porque há mais mulheres do que homens, e essa diferença permite dizer que há mais “braços” de mulheres do que de homens, logo, mais força de trabalho disponível.
Por outro, é também verdade que a construção social do que é “trabalho” não nos permite, muitas vezes, compreender as tarefas domésticas como trabalho, nem valorizar o sector informal. No entanto, vários autores identificam o “trabalho silencioso” das mulheres como um dos pilares mais importantes dos sistemas económicos.
Em todo o lado vemos como o trabalho doméstico, a zunga ou a lavra são subestimados ao nível do “não tem valor”. No entanto, a realidade de Angola mostra o quanto estas mulheres, no sector informal e cujo fruto do seu trabalho não é transformado ou traduzido em kwanzas, estão desprotegidas socialmente, não só pela pouca atenção política, mas também pelas próprias famílias: ainda é a mulher que fica sem direito à herança, em caso de viuvez; ainda é a mulher a vítima preferencial de abusos por parte das autoridades; ainda é a mulher que tem mais dificuldade em apresentar uma queixa e, no caso de abusos sexuais, há tendência social de transformar a vítima em culpada pelo abuso que sofreu.
Diria que esta forma de apresentar o OGE, permite distinguir o que é apenas intenção do Governo e o que é efectivamente feito?
Há muitas formas de analisar um OGE e muitos pontos de vista para “fazer falar os números”. A proposta do Mosaiko, neste documento, tem em conta o ponto de vista do Género, com critérios definidos e explicados no início do documento. Uma análise apresentada desta forma coloca em evidência o investimento real na diminuição da desigualdade entre Mulheres e Homens.
Podemos chamar de “intenção” os compromissos nacionais e internacionais que Angola assumiu, relativamente às questões de Género. Como exemplos de documentos ratificados por Angola temos os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (que incluem a dimensão de género), a Convenção sobre todas as formas de discriminação contra as mulheres, o protocolo da Carta Africana sobre os Direitos das Mulheres e outros. Estas “intenções”, para se tornarem efectivas, devem ser traduzidas em Políticas Públicas concretas e orçamentadas.
Por exemplo, se uma “intenção” política for a de diminuir a taxa de desistência escolar das meninas (que é mais alta do que dos meninos), deve existir, em sede do OGE, o orçamento necessário para compreender as razões que levam à desistência da escola pelas meninas (gravidez precoce? Falta de casas de banho nas escolas, constrangimento grave quando se entra na idade de menarca; situações de assédio sexual?) e, em seguida, orçamento para implementar um programa que responda às necessidades identificadas.
Assim, esta análise do OGE, feita pelo Mosaiko, revela que, apesar de todas as intenções do executivo, o real investimento em programas que respondam a essas intenções é ainda muito diminuto.
Além de sugerir uma observação quase que de causa/efeito, mudando o ponto de partida para a feitura de um OGE, que objectivo tem este estudo?
Esta análise está enquadrada no projecto de Promoção da Advocacia de Políticas Públicas Inclusivas em Angola, com financiamento da União Europeia e do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e implementado em parceria com a FEC – Fundação Fé e Cooperação, que tem quatro pilares de intervenção, que se alimentam mutuamente. Um deles é a análise do OGE na perspectiva de Género, durante três anos consecutivos. Esta acção é muito importante pois ajuda-nos a ler o OGE de um determinado ponto de vista, que é o do investimento para que Mulheres e Homens tenham direito às mesmas oportunidades.
Que recomendações faz este estudo para que quem faz o OGE ou participa nesse processo se torne mais sensível ao Género?
Este documento propõe um conjunto de recomendações dirigidas não apenas aos Órgãos de Soberania, mas também aos parceiros sociais, Organizações Sociedade Civil, comunidades, comunicação social e outros. Exigir um OGE sensível ao Género é trabalho de todas e todos, implementar um OGE que promova equidade de Género é o que faz sentido, se quisermos, realmente, uma sociedade mais justa. Sugiro uma leitura atenta do capítulo Recomendações, para que se possa ter uma ideia de como um OGE sensível ao Género pode propor questões muito concretas.
Quais foram os principais constrangimentos encontrados na execução do estudo?
Tivemos constrangimentos de ordem técnica, apesar de haver muita bibliografia internacional sobre OGE sensível ao Género. Adaptar essas indicações ao contexto angolano exigiu repensar muitas delas. Por outro lado, o acesso a dados ainda é um constrangimento, assim como aos valores desagregados das diferentes actividades de um determinado programa. Seria também bom podermos analisar a execução do OGE, mas ainda não são dados públicos, ou seja, enquanto o OGE apresenta a previsão das despesas, a execução diz-nos se essas despesas realmente aconteceram. Assim, uma análise do OGE, na verdade, só fica completa quando, depois do período a que esse OGE se refere, se poder também, analisar como correu a sua execução: os valores foram realmente gastos? Foram gastos como? Atingiram-se os objectivos? Mas, enquanto a informação sobre a execução do OGE não for disponibilizada, não será possível monitorar de forma realista o OGE.
O que motivou o Mosaiko a trabalhar neste estudo?
O Mosaiko defende e promove os Direitos Humanos, com um olhar atento às populações mais vulneráveis. Infelizmente, a construção social tem deixado a Mulher, de um modo geral, em posição desfavorável. Com esta análise, o Mosaiko pretende contribuir para uma melhoria na forma de elaborar o OGE, desafiando o executivo angolano a pensar e a investir em Políticas Públicas que possam diminuir o fosso entre Mulheres e Homens.
Que actividades o Mosaiko prevê realizar no âmbito do Género, depois da publicação desta brochura?
O Mosaiko vai continuar com a sua linha de trabalho, que tem incluído formação, advocacia, promoção dos Direitos das Mulheres, trabalho na área do Abuso Sexual, acompanhamento de casos de violência doméstica e, claro, pretendemos divulgar este documento, de modo a torná-lo conhecido junto dos diferentes sectores que podem colaborar para que o OGE Angolano seja, cada vez mais, sensível ao género.
Baixe aqui a Brochura sobre o OGE na perspectiva de Género de 2017, 2018 e 2019.
Baixe também os quadros de suporte à Análise do OGE na perspectiva de Género.