Criança: Quando for grande…

Infância

Crianças em África

A maior parte das pessoas que hoje trabalha nos sectores dedicados à criança são  adultos que esqueceram o “quando for grande…”. Mais um Junho e como já é hábito, a criança aparece nas parangonas dos jornais, realizam-se uma série de eventos, a criança é alvo de reportagens, campanhas e os responsáveis públicos debitam números.

Segundo o Instituto Nacional da Criança (INAC), em 2018 registaram-se 4771 casos de violência contra a criança. Destes, 600 são casos de abuso sexual e 2238 de fuga à paternidade. No primeiro trimestre deste ano, o INAC identificou pelo menos 700 crianças que desempenhavam trabalhos considerados perigosos como manuseio de químicos, inertes e blocos.

O director pedagógico do único hospital pediátrico do país, revelou que tem uma média de 5 a 6 pediatras para 400 crianças. E este fim-de-semana, o jornal estatal titulava que mais de 25 mil crianças obtiveram Bilhete de Identidade, durante os 30 dias de campanha organizada pelo Ministério da Justiça e Direitos Humanos. O artigo só apresenta os resultados de seis províncias, 18.396 crianças apenas, num país com mais 15 milhões de habitantes com menos de 18 anos (Censo 2014) e a tutela classifica a campanha “exitosa”.

Tal como tem sido reportado nos relatórios de pesquisa sobre o Acesso à Justiça do Mosaiko, a maioria das crianças angolanas não possui assento de nascimento e tem vindo a ser excluída sucessivamente (porque os pais estão indocumentados, por fuga à paternidade, serviços distantes, custo elevado…) e, Junho após Junho, o assento continua a ser um requisito obrigatório para a aquisição do BI.

Alienar a criança, reduzi-la a números ou desprovê-la de direitos, é infelizmente uma prática recorrente entre os adultos e é culturalmente aceite considerar e respeitar, verdadeiramente, o ser humano apenas quando adulto.

Guiné Bissau e criança
Trabalho infantil

Lembrando a criança que um dia todos fomos, a expressão “quando for grande” surgia frequentemente perante algo injusto, despropositado ou desadequado. Depois de obrigados a tratar dos manos mais novos como se fôssemos mães deles ou quando os pais mandavam calar a boca ou obrigavam a trabalhar em casa, fazer recados a toda a hora, vender “bolinhos”, frutas e outras coisas na rua…

Passamos toda a infância em silêncio, sem opinião. Nenhum adulto considerou, seriamente, os nossos sonhos ou planos, ouviu os anseios ou respeitou as nossas ideias. “Quando for grande” era essencialmente uma expressão sufocada da criança que queria, o mais rapidamente possível, deixar de ser criança para alcançar liberdade e ter poder para se vingar ou fazer diferente.

Recentemente, a convite da Fundação Fé e Cooperação, o Mosaiko participou num seminário sobre Protecção Social da Criança, em Bissau (Guiné) e além de organizações e instituições guineenses, contou também com representantes de Cabo Verde e Moçambique. Depois do seminário, a comitiva fez-se à estrada em direcção à segunda maior cidade do país, Bafatá., Atravessando zonas maioritariamente rurais, com bolanhas (arrozais) a perder de vista, onde crianças pastoreavam gado e tabankas (aldeias) que ladeavam a estrada e na beirada, produtos locais vendidos por crianças.

Àquela hora deveriam estar na escola, mas estavam ali à beira da estrada com um cacho de fole (fruta parecida com o maboque). Os seus compradores, maioritarimente adultos, terão sido crianças que também venderam e a quem suprimiram direitos. Cresceram, mas não o suficiente para quebrar o ciclo.

A protecção da criança começa em casa, implica dar-lhe o direito de ser criança, valorizá-la e imprimir uma nova cultura de adultos que escutam, consideram e encorajam a criança.

Juntos por uma Angola melhor!

Autora: Mandele Rocha

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