O combate à pandemia trouxe a ideia de distribuição de água gratuita através de camiões cisternas, hoje essa água gratuita é gerida pelas administrações locais, entretanto, a maioria da população continua sem acesso a água potável.
O secretário de Estado da Energia, António Belsa da Costa, a directora da Direcção Nacional das Águas, Elsa Ramos e o admnistrador executivo da EPAL, Venceslau Chissupa, em entrevista ao Mosaiko, justificam a falta de água nas torneiras, as consequências e medidas em espera por falta de financiamento.
Entre as medidas tomadas pelo governo de Luanda, desde o Estado de Emergência decretado em 26 de Março de 2020, está a distribuição de água potável através de camiões-cisterna. Essa distribuição continua?
António Belsa da Costa (ABC): Continua sim, mas não no mesmo volume como de início, porque era um período em que tínhamos muitos parceiros empresariais que disponibilizaram os seus meios para ajudar na distribuição de água. Acontece, porém, que foi naquele período em que praticamente, as instituições estavam paradas, a trabalhar a 25 por cento e os projectos estavam parados, e podiam oferecer os seus meios. Assim que se voltou à normalidade as empresas começaram os seus projectos, então reduziram o número de meios.
Mas continuamos, até agora, a distribuir água gratuita. Aquelas instituições e hospitais que não estão ligados à rede pública têm prioridade e têm o contacto da nossa equipe que gere esse programa. Por exemplo, no fim do dia de hoje os camionistas já terão as necessidades para o dia de amanhã.
Quais são os pontos específicos onde os populares podem ir buscar água?
ABC: Neste preciso momento, os pontos são indicados pela administração (local), tanto é que os administradores formam parte dessa comissão e eles próprios é que indicam os pontos em que estes camiões têm que ir descarregar água. No princípio até havia uns reservatórios que, indicados pela administração, depositávamos água. Porque se for a encher bidão a bidão perdia-se muito tempo.
A administração sabe dos pontos, mas os populares não sabem…
ABC: Muitas vezes, diga-se modéstia a parte, reclamamos de barriga cheia. Porque não conseguimos chegar a hora e porque a água acaba, porque é um recurso que todo mundo necessita e se chegar um pouco tarde (a pessoa) diz que nem água veio. Mas não, nós disponibilizamos água gratuita todos os dias. Que os volumes diminuíram é uma verdade!
A falta de água é recorrente um pouco por todo o país. Com tantos rios, por que não conseguimos tratar, canalizar e distribuir água potável regularmente?
ABC: O sector tem gizado projectos para curto, médio e longo prazos, no que diz respeito ao fornecimento de energia e água para Luanda e restantes províncias. Muitos destes projectos não têm sido implementados no prazo previsto, de acordo aos nossos planos directórios, por falta de recursos financeiros. E à medida que passa o tempo, como é sabido por todos nós, o número de populares vai aumentando e o défice vai-se agravando. Neste momento, estamos com um défice de produção de água, necessitamos para Luanda de um milhão de metros cúbicos e estamos com 50 por cento apenas.
Venceslau Chissupa (VC): Temos um projecto que já foi executado, que são lançamentos de rede e de ligação domiciliares por toda a Luanda. Algumas dessas não recebem água. Estão a ser feitos pequenos projectos para garantir que com a produção que temos, consigamos fazer chegar água a essas ligações, com melhoria na rede de distribuição, lançando uma conduta, interligando-as às redes existentes para podermos fazer chegar água à população a curto prazo e com abastecimento alternado. Quer dizer, a população passa a receber não 24/24 horas, mas recebe água entre dois a três dias de intervalo.
É o que deverá acontecer ou é o que já acontece?
VC: É o caso dos Munlevos são 15 mil ligações que vão passar a beneficiar também de abastecimento de água, em quase toda cidade. O caso do Kilamba Kiaxi também tem um projecto em curso para fazer interligação a essa rede de 13 mil ligações. A médio prazo, a ampliação do centro de tratamento de água do Candelabro para aumentar a produção de água e aí também as pessoas passam a ter mais horas de abastecimento.
A longo prazo, os grandes projectos que são estruturantes: o Bita e o Quilonga. O financiamento do Bita está já a ser negociado. O grande problema prende-se com a falta de financiamento dos projectos e a população não para de crescer. Temos um crescimento de três por cento ao ano, uma migração das províncias para aqui, então a cidade cresce mais rápido que os sistemas de abastecimento de água.
Qual é o balanço que faz do programa Água para Todos? O que foi feito e está a funcionar?
ABC: O balanço é positivo, conseguimos fazer chegar água em muitas áreas onde não existia água. Entretanto, em muitas áreas deparamo-nos com a falta de competências para o acompanhamento e manutenção dos equipamentos, uma fase que estamos a ultrapassar através dos nossos centros de formação. Temos a responsabilidade de monitorizar, acompanhar e de dar toda a assessoria à Direcção Nacional das Águas.
Elsa Ramos (ER): O programa Água para Todos tem sido um pouco confundido a nível dos meios de comunicação. Água para Todos é um programa de distribuição de água a nível rural. E quando o Ministério da Energia e Águas (MEA) tomou a peito o programa, foi no sentido de construir as infra-estruturas e depois, transferi-las para as administrações municipais, porque a gestão de águas rurais não faz parte do Ministério, mas sim das administrações municipais às quais deve ser passada essa competência.
A água que é distribuída hoje pela rede pública tem qualidade? É seguro beber água da torneira? Vocês bebem-na?
ER: A água que sai da estação tem qualidade para ser consumida, ao longo (do percurso) é que pode perder alguma qualidade.
ABC: As perfurações (vândalas) fazem com que entre, muitas vezes, areia nos tubos. Se o nosso sistema trabalhasse 24/24 ininterruptamente, não teríamos esse problema, mas o problema é que temos défice de água e temos que parar para fazer níveis. E se alguém perfurar uma conduta durante esse período temos como o risco notório, a entrada de areia na tubagem. Eu lhe digo que na minha casa não bebo água mineral, modéstia a parte! Na minha casa bebo a água da torneia.
A Angop divulgou a restrição no fornecimento de água potável, em mais de 20 bairros de Luanda devido às chuvas registadas em Abril. Como se explica este fenómeno? E que soluções foram encontradas para evitar situações como estas no futuro?
VC: Tivemos dois casos do género, uma na conduta DN 600 (Candelabro Sequele) e outra conduta DN 1200 (Cassaque, zona do Kikuxi), foi feito o trabalho e foram ultrapassados os constrangimentos. Criamos novos caminhos (desvios) para a água passar e, entretanto, infra-estruturas suplementares.
ABC: Endereçou-se um ofício ao Ministério das Obras Públicas no sentido de nos apoiar em áreas que possam ocorrer ravinas, não apenas em Luanda, mas a nível de todo o país. E temos vários problemas no Moxico, fundamentalmente, e temos um outro problema no Dundo até hoje, por causa das destruições causadas pelas chuvas.
O MEA sabe quantas mulheres e crianças, diariamente acarretam água? Há estudos sobre o impacto desta tarefa na vida destas mulheres e crianças?
ER: Esta tarefa, como sabe, é feita mais pelas mulheres, do meio peri-urbano e principalmente do meio rural, inclusive a nível dos chafarizes e pontos de distribuição de água criámos grupos para controlar o funcionamento dos pontos e normalmente não são homens, mas são as mulheres as zeladoras.
Não tenho um número exacto para lhe dizer, mas devo dizer que a maioria das pessoas que acarretam água são realmente pessoas do sexo feminino. Temos um estudo de género, do sector das águas, a ser aprovado, mas na verdade são as mulheres que mais fazem este trabalho. Sobre as crianças, é algo que vamos debater: as crianças se vão é porque as suas famílias permitem ir, mas não é uma atitude correcta, porque as crianças não devem estar a acarretar água. Eu a semana passada viajei e vi crianças de quatro anos a acarretarem bacias de água, isto não é correcto, isso não é a nossa política.
As mortes nas estradas de pessoas que acarretam água é muito frequente, as pessoas pedem mais pedonais, mas será esta a melhor solução, quando na verdade se as pessoas tivessem água em casa ou perto, não precisariam ir tão longe ou atravessar estradas movimentadas?
VC: Sabemos do perigo que passam as pessoas ao atravessarem as estradas para acarretarem água. Por isso mesmo, no caso da Robaldina, em Viana, o ministro da Energia e Águas, a governadora de Luanda e o secretário do Estado há dois meses foram todos para lá ver quais são as soluções para fazer chegar a água nessa localidade. Estão gizadas já duas soluções, uma de reforço e outra para a construção de dois fontanários, isto a curto prazo, para evitar que as pessoas passem a estrada de um lado para o outro.
Quais são os grandes planos do Ministério da Energia e Água para o próximo ano?
ABC: Não podemos pensar no próximo ano, estamos a pensar é no agora. O nosso maior problema neste momento, em Luanda, é o Bita (Estação de Tratamento de Água – ETA), com esse sistema vamos reduzir significativamente o défice de produção de águas em Luanda. Estamos a tratar da ampliação da ETA de Candelabro e da ETA Luanda Sudeste, previstas para este ano.
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