CARTA ABERTA
À
Sua Excelência
Senhor Presidente da República,
João Manuel Gonçalves Lourenço
Luanda, 22 de Outubro de 2020
Assunto: Emolumentos 1º Ciclo do Ensino Secundário (Despacho Presidencial Nº. 129/20, de 16 de Setembro)
Exmo. Sr. Presidente João Lourenço,
Servimo-nos da presente missiva para reiterar o que nós, Handeka, Mosaiko| Instituto para a Cidadania e Rede Angolana da Sociedade Civil de Educação para Todos (Rede EPT-Angola), mas também pais e mães Angolanos, clamamos sem que infelizmente ninguém nos tenha ouvido até então: “Não podemos pagar mais!”
Sabemos que está em curso a criação de um regulamento que irá fixar a cobrança de emolumentos, taxas ou propinas que obrigarão os encarregados de educação e pais a pagar pelo acesso e/ou frequência no ensino secundário, em particular, no 1º Ciclo.
Sr. Presidente, cobrar emolumentos para aceder ao ensino secundário é relegar as famílias Angolanas ao subdesenvolvimento, sobretudo quando foram, nos últimos meses, sobrecarregadas com aumentos do IRT, IVA sobre os produtos da cesta básica, com preços vertiginosamente inflaccionados e os seus rendimentos sujeitos à constante desvalorização do Kwanza.
Nesta conjuntura, Sr. Presidente, é imoral exigir aos 41% da população na pobreza (12 milhões de pessoas, segundo o Relatório sobre Despesas, Receitas e Emprego em Angola – IDREA 2018-2019), aos 32,7% de desempregados (4,735 milhões, no 2º trimestre deste ano, de acordo com o INE) ou a quem trabalha no sector informal (70%), que pague emolumentos para que os filhos acedam ao ensino secundário.
O que sobra a estas famílias? Se tal como relata o IDREA, umas recebem 3, 10 ou 15 mil Kwanzas/mês, outras o salário mínimo nacional de 21.454 kwanzas ou 33 mil kwanzas que é a categoria mais baixa da função pública.
Mesmo que um casal aufira 100 ou 150 mil Kwanzas mensais, depois dos impostos, tem que alimentar o agregado familiar (em média de 5 pessoas) com uma cesta básica que já ultrapassa os 84 mil Kwanzas, pagar água (4 bidons/dia, 60 mil Kz/mês), transportes para trabalho e escolas (30 mil Kz/mês) e ainda, despesas extras de saúde e, agora, materiais de biossegurança não subvencionados…
Não há dinheiro para emolumentos, quando falta comida no prato da maioria das famílias Angolanas. É indecente colocar pais, mães e encarregados de educação numa posição de vulnerabilidade tal que os obrigue a retirar os seus filhos das escolas.
Esta medida é um retrocesso perante os compromissos que Angola assumiu internacionalmente (Objectivos de Desenvolvimento Sustentável), contraria o discurso dúbio do seu governo que, por um lado, propala a gratuitidade do ensino, mas altera a Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino (Lei n.º17/16 de 7 de Outubro), só para acolher subterfúgios escusos que limitam essa gratuitidade (Art.º11 da Lei n.º32/20 de 12 de Agosto) e permitem esta cobrança directa às famílias.
Desta forma Sr. Presidente, o seu Governo transfere, vergonhosamente, o ónus e foge sorrateiramente à sua responsabilidade moral. Num Estado que se diz de Direito, as famílias não podem ser o “bolso” do Ensino Público.
Sr. Presidente, cobrar emolumentos para aceder ao ensino secundário é também activar novos ciclos de corrupção, num funcionalismo público viciado e mal pago, que terá mais um instrumento de opressão e chantagem sobre os alunos e famílias vulneráveis.
Num país empobrecido como o nosso, insistir nesta cobrança é promover a pobreza, a desigualdade e o abandono escolar. Em 2018, o relatório dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável revelava “uma taxa líquida de frequência escolar no ensino secundário de 43% nos homens e de 37% nas mulheres.”. Se as taxas de frequência já ficavam aquém do desejável, com emolumentos, muitos mais adolescentes serão impedidos de quebrar o ciclo de pobreza e estarão destinados a um futuro sem profissão.
Sr. Presidente não queremos mais cobranças, sobretudo se estão completamente desligadas de um verdadeiro compromisso com o desenvolvimento dos Angolanos.
Se o interesse do seu Governo é melhorar a qualidade do Ensino Público em Angola, cumpra o que o Estado Angolano se comprometeu fazer em 2000, ao assumir os Compromissos de Dakar: Dedicar 20% do seu Orçamento Geral do Estado ao sector da Educação.
Faz 20 anos que não saímos de um dígito de atribuições para este sector e contamos duas décadas de claro desinvestimento na Educação, com orçamentações que só calculam pagamento de salários. Sem fiscalização, direcção ou visão sobre a escola que queremos e os alunos que produzimos, contamos apenas com a conveniência medíocre de quem dirige sem planos e objectivos claros, ignorando irresponsavelmente as consequências de longas décadas de desinvestimento na Educação.
Queremos todos e precisamos urgentemente de uma Angola com estratégia para a Educação, que resulte na formação e capacitação do profissional Angolano. Para este efeito, Sr. Presidente, não permita esta extorsão cega sob a forma de emolumentos e não obrigue as famílias a dividirem a sua pobreza com um Governo sem rumo.
Por tudo isto, não podemos nem queremos pagar mais!
Luaty Beirão – Presidente da Handeka
Frei Júlio Candeeiro, OP – Director Geral do Mosaiko
Vítor Barbosa – Presidente da Rede EPT-Angola