Temendo que o COVID-19 se propague exponencialmente e com rapidez em Angola, hoje sabemos, com cinco casos positivos e dois mortos, na semana passada, o Executivo tomou medidas extraordinárias e urgentes, declarando Estado de Emergência (Decreto Presidencial n.º 81/20 de 25 de Março), com o fundamento de que Angola atravessa uma situação de iminente calamidade pública.
O Estado de Emergência limita o exercício pleno de alguns Direitos Humanos. Neste contexto, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), das Nações Unidas, de 1966, ratificado por Angola, e que se aplica por força do artigo 26.º n.º 2 da Constituição da República de Angola (CRA), regula a nível do Direito Internacional, o Estado de Emergência e dispõe no seu artigo 4.º n.º 1:
Em tempo de uma emergência pública que ameaça a existência da nação e cuja existência seja proclamada por um acto oficial, os Estados Parte no presente Pacto podem tomar, na estrita medida em que a situação o exigir, medidas que derroguem as obrigações previstas no presente Pacto, sob reserva de que essas medidas não sejam incompatíveis com outras obrigações que lhes impõe o direito internacional e que elas não envolvam uma discriminação fundada unicamente sobre a raça, a cor, o sexo, a língua, a religião ou a origem social.
Os tratados internacionais relativos à matéria dos Direitos Humanos devem ser interpretados e aplicados, em Angola, em harmonia com a Constituição (artigo 26.º n.º 2 da CRA). Assim, como está previsto no PIDCP, a CRA concretiza a regulamentação do Estado de Emergência, inicialmente, no artigo 58.º
Tal como prevê a Constituição, no artigo 58.º n.º 2, O Estado de emergência configura-se como sendo uma situação de Excepção e/ou Estado de Necessidade. Ou seja, reconhece-se que há situações (eminência de calamidade pública) que obrigam a que a organização estadual tome medidas excepcionais e necessárias para prevenir ou impedir a gravidade da situação de saúde pública, o que faz com que se deixe de verificar o normal funcionamento da vida em sociedade.
Ora, porque tais medidas não podem ser tomadas por qualquer pessoa dentro da organização Estadual, em obediência ao princípio da Legalidade (artigo 6.º da CRA), a Constituição reconhece ao Chefe de Estado (Presidente da República) competência para Decretar ou Declarar o Estado de Emergência, ouvida a AN. É o que se pode interpretar dos artigos 119.º alínea p), do n.º 3 do artigo 125.º, da alínea h) do artigo 161.º.
A necessidade de se restringir ou limitar os Direitos Humanos (direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos) só pode ter lugar por uma Lei em sentido formal emanada pela AN e se deve limitar ao critério da necessidade, proporcionalidade e razoabilidade sempre com vista a impedir a expansão da Pandemia no território nacional (artigo 57.º n.º 1 e 164.º al. c) da CRA).
O Decreto Presidencial n.º 81/20 que declara o Estado de Emergência tem força de Lei e não é exaustivo o suficiente para se perceber os procedimentos que serão levados a cabo pelos órgãos públicos para limitar ou restringir os direitos humanos. Neste contexto, no artigo 4.º, atribui a função de regulamentá-lo e, assim, surge o Decreto Presidencial n.º 82/20 de 26 de Março, que regula sobre as medidas de excepção e temporárias para a prevenção e o controlo da propagação da pandemia COVID-19, no geral, vem definir de modo claro as medidas que se consideram necessárias e proporcionais, de acordo com o contexto, incidindo entre outros, sobre a circulação de pessoas.
DIREITOS LIMITADOS E/OU RESTRINGIDOS
O Estado de emergência limita o exercício de direitos, mas não pode atingir o núcleo fundamental dos Direitos Humanos, pois que estes são inalienáveis, universais e indivisíveis (Direito à Vida, Direito a Integridade Física, Alimentação, Saúde).
O Decreto Presidencial n.º 81/20 – Declaração do Estado de Emergência – apresenta no seu artigo 2.º alguns direitos que serão suspensos ou limitados parcialmente no seu exercício, por um período de 15 dias. Nomeadamente:
- Direito de residência, circulação e migração para qualquer parte do território nacional e Direito de Circulação Internacional;
- Direitos de propriedade e de iniciativa económica privada;
- Direitos gerais dos trabalhadores;
- Direito à greve;
- Direito de reunião e de manifestação;
- Direito de liberdade de culto, na sua dimensão colectiva.
Os Direitos no sentido geral não deixarão de ser exercidos pelos cidadãos, serão apenas exercidos com alguma restrição. Isso não se traduz na paralisação total do país por necessidade de manter os serviços essenciais à vida da população (o núcleo essencial dos direitos) devem continuar a ser observados por todos entes públicos e privados.
Aqui vale lembrar que o estado de emergência nunca dever ser utilizado como argumento para legitimar a violação dos direitos humanos quer seja pelas autoridades policiais e/ou administrativa quer pelos cidadãos entre si.
Na eventualidade do Estado, através dos seus órgãos, entender que a manutenção dos Direitos (serviços) essenciais está em causa, poderá ser feito o recurso à força, que não pressupõe violência. Por exemplo, o Ministério da Defesa e/ou o Ministério do Interior, poderão, por força do artigo 31.º do Decreto Presidencial n.º 82/20 de 26 de Março, colocar os seus agentes nas ruas.
Nos últimos dias, temos estado a assistir ao uso desproporcional da força e recurso à violência por parte dos agentes da polícia, tendo como fundamento o Estado de Emergência. A agressão física é uma violação à integridade física dos cidadãos e contraria o que dispõem os artigos 5.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 33.º da CRA e os Decretos Presidenciais aqui já referidos.
O que se espera da actuação dos agentes da polícia no que concerne à restrição da liberdade de circulação, é que tenham uma abordagem pedagógica e façam com que o cidadão perceba que a saída de casa só é permitida em circunstâncias excepcionais que devem ser explicadas e esclarecidas pelos agentes da polícia, já que estamos perante uma situação nova, desconhecida pela maioria da população. E se depois de tudo isto, o cidadão desobedecer, o agente da polícia, pode então, ordenar a detenção imediata do cidadão, com fundamento no crime de desobediência, previsto e punível com pena de 3 meses de prisão nos termos do artigo 188. º do Código Penal.
Hermenegildo Teotónio