Nem em dia de celebração há trégua. Este ano, tal como em todos os outros anos e todos os dias, quando o Dia Internacional dos Direitos Humanos terminar, mais de metade de 120 mulheres terão sido assassinadas pelos parceiros íntimos ou familiares. Esta média é de 2021 e a estimativa é das Nações Unidas. Em 2022, o número tenderá a subir, simplesmente porque a realidade das mulheres não mudou.
“Aqui tem uma menina de 15 anos que foi violada por cinco moços”
“A culpa é da menina!”
“Depois de dois meses a jovem percebeu que estava grávida, fizeram raspagem”
“Um dia, ela pegou numa corda e se enforcou”
Fonte: Relato de jovens no Uíge para pesquisa sobre Avaliação Participativa sobre o Acesso à Justiça 2018/19.
“Várias senhoras foram apanhadas nas suas lavras. Os agressores cortaram os órgãos sexuais e deixaram as vítimas que acabaram por falecer”.
Fonte: Relato de grupo focal no Moxico para pesquisa sobre Avaliação Participativa sobre o Acesso à Justiça 2018/19
Na realidade em todo o mundo e, em particular no hemisfério sul, as mulheres não são sequer contadas, respeitadas ou ouvidas. 120 mulheres assassinadas/dia são menos cinco vidas por hora, fora os casos não investigados, mal classificados ou que sequer chegam a julgamento porque é um homem que mata uma mulher.. Então é uma espécie de “morte ou violação doméstica” que em muitas comunidades trata-se em “família”, quase sempre com um desfecho de impunidade absoluta garantida ao perpetrador por outros homens, nos mais diferentes níveis do sistema de (in)justiça.
Só há uma realidade: A vida de um homem vale mais do que a vida de muitas mulheres, seja em que contexto for e permanecerá assim até que nos direitos humanos no geral, mas sobretudo nos direitos das mulheres, se incluam de forma explícita: o combate contra a manipulação e controlo; a proibição da sexualização do corpo da mulher; a destruição do sistema patriarcal; e a não aceitação da feminização da pobreza.
Há 74 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi o filão para acabar com a colonização e a segregação racial dos homens. As mulheres, muito embora tivessem lutado lado a lado pela independência dos seus países, uma vez alcançada a soberania dos homens, as mulheres foram transferidas para o domínio do colonizador preto.
O “novo senhor” reinstalou-se com uma suposta tradição e religião que o enaltece para subjugar a mulher à categoria de sub-humana sem direitos, dignidade ou apreço. Pior ainda se a mulher for negra é obrigada ao silêncio, educada para aceitar a condição de traída e mal-amada e instrumentalizada para mendigar uma atenção descuidada, sexualizada, desprovida de qualquer respeito ou de real comprometimento com o seu direito de ser humana.
Celebrar os Direitos Humanos enquanto se morre sem direitos é algo a que se habituaram homens e mulheres em todo o mundo e talvez o maior combate do século XXI, seja o combate à indiferença para que a celebração se torne mais real e menos fingida.
Apoio: MISEREOR