TIROS DA DESOBEDIÊNCIA

Polícia

Waldemar José

Foto: Angop/Gaspar dos Santos

Ponto prévio:

  • Bairro do Huambo, Rocha Pinto, Luanda: 1 vítima mortal
  • Bairro Domingos Vaz, Longo, Lunda Norte: 1 vítima mortal
  • Praia das Tombas, Benguela: 1 vítima mortal
  • Cabolongo, Luanda: 1 ferido

A “desobediência” já matou tanto quanto a COVID-19 em Angola. Desde Março, o vírus causou três mortes e a execução das medidas para “proteger a vida” levada a cabo pelas forças de Defesa e Segurança, só nas últimas semanas, resultou em três vítimas mortais.

O subcomissário Waldemar José, porta-voz do Ministério do Interior,  explica a sequência: começa com a sensibilização dos militares ou polícias, provoca insurreição dos cidadãos que chegam a “colocar em causa a integridade física dos agentes e quiçá, não sabemos, poderia ter um desfecho que culminasse com a morte do referido soldado. Sendo o soldado obrigado a fazer o recurso, mais uma vez da arma de fogo, tendo realizado alguns disparos de dispersão e infelizmente, um deles, culminou com a morte de um cidadão”.

O porta-voz explica o inexplicável. Num discurso tendencioso, ajuizador, em tom paternalista para infantilizar o cidadão. Verborreico, próprio de quem não escuta e nem se apercebe que junta palavras vazias, desacompanhadas de um reforço imperativo: Um histórico consolidado por acções coerentes com a lei e os direitos fundamentais.

A esta altura das nossas vidas como sociedade, ouvimos menos, mas vemos mais e o que ainda se vê são forças que só se sabem impor pela força, e está visto também que não sabem dialogar ou falar. E quando o fazem, além de serem moralistas sem moral, a culpa é muito mais do cidadão. Nas palavras do porta-voz, o cidadão “obriga” as forças de segurança e defesa a protegerem-se, ainda que desproporcionalmente.

“A vida é um bem inalienável, é um bem que infelizmente, não é nem recuperado nem reparado”. Mas desengane-se o cidadão, há uma prioridade subentendida nas palavras do subcomissário: “o polícia, o militar é um cidadão como nós, também sente medo, sente dor, também receia pela sua vida e quando está a ser atacado e se verificar que a sua vida está na iminência de ser retirada ou a sua integridade física está na iminência de ser violada, qualquer cidadão reage. E como cidadão e um ser humano que tem também sentimentos, naturalmente, reage com os meios disponíveis no momento e que são meios coercivos, por vezes é, efectivamente, obrigado a fazer o recurso à arma de fogo”.

O perfil descrito pelo porta-voz não corresponde em nada ao que se espera das forças militares ou policiais aqui ou em qualquer parte do mundo. Todos eles juraram obedecer aos órgãos de soberania e cumprir, escrupulosamente, a Constituição da República e isto exige que coloquem a sua própria vida em segundo plano. Devem fidelidade à pátria, uma pátria feita de cidadãos que precisam contar com a protecção das forças de defesa e segurança e não apenas e só com a ameaça e muito menos que tenham apenas em conta a sua auto-preservação.

Por fim, o militar e a polícia não são cidadãos comuns. Têm ou devem ter uma preparação física e psicológica que os torne inabaláveis perante pressões, desgaste, contrariedades… Caso contrário teríamos polícia que chora com pena de aplicar uma multa ou militar que recusa dar tiro em plena guerra por ter medo de matar… Por outra o treino deve no nosso caso, abarcar conhecimentos mais aprofundados da lei e dos direitos fundamentais para que fique bem presente os limites da sua actuação e  técnico para que um tiro para dispersão que por norma é atirado para o ar, não se torne por regra, certeiro.

O apelo do porta-voz ao “acatamento e à obediência integral” parece atribuir só ao cidadão o dever de mudar para evitar homicídios. Dos cidadãos desarmados, Waldemar José diz mais, adoptam condutas “reprováveis que motivam, claramente  o emprego, o uso da força. O não acatamento por parte dos cidadãos das orientações baixadas pelas forças de Defesa e Segurança no terreno, fizeram com que a reacção por parte dessas forças fosse o uso e o recurso da força”.

E se é como diz, “não há nenhuma orientação ao mais alto nível para o emprego de violência para com os cidadãos”. O que está então a motivar esta conduta de uso de violência fatal das forças de Defesa e Segurança?

Mandele Rocha

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