O activista, padre Jacinto Pio Wacussanga, recebeu o prémio de “Defensor de Direitos Humanos 2018” da África Austral, uma atribuição feita pela Rede de Defensores de Direitos Humanos da África Austral, em Joanesburgo, África do Sul, durante a Cimeira dos Defensores de Direitos Humanos, que decorreu de 13 a 16 de Novembro.
Recebeu, na passada terça-feira 13, este reconhecimento da Rede de Defensores de Direitos Humanos da África Austral. Qual é o sentimento?
Alegria… Eu que sou da Angola profunda, do interior, não vivo nas cidades, trabalho com as pessoas simples, o chamado “pé rapado” e ser reconhecido, é sempre um motivo de satisfação. É o corolário de muitas andanças e muito trabalho feito desde há muito tempo.
O sentimento é misto porque agora descubro que, quanto à questão dos Direitos Humanos, no nosso país e em muitos países da SADC (Comunidade dos Países da África Austral), ainda temos de fazer muito trabalho. E, portanto, ainda temos que preparar a próxima geração de jovens entusiasmados para lutarem por aquilo que nós começamos. Ainda há muita coisa a ser feita no campo dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e dos Direitos Ambientais.
Faz parte da Rede de Defensores da África Austral?
Não faço parte. O que sei é que fui convidado pela AJPD e pelo Mosaiko para participar na Cimeira, mas não estive lá porque o passaporte não saiu. Desde que Maio requeri o passaporte e os papéis não sei onde andam… Espero que não andem na lua ou em Marte. Perdi uma viagem, desta vez para África do Sul e tenho uma outra para a Europa praticamente perdida, infelizmente, por isso é que digo que temos muito caminho a andar. Certos documentos demoram muito, enquanto que o cartão eleitoral entrega-se na hora. Ora, temos muita coisa a defender até que Angola seja realmente um país, onde os cidadãos estejam satisfeitos com os serviços públicos e o empenho do Estado pelos seus membros.
O que este reconhecimento pode significar para os defensores de Direitos Humanos da Lusofonia, sobretudo dos países africanos?
De facto a Lusofonia está muito ausente destes espaços seja pela questão da língua ou mesmo pelas diferenças dos avanços. Então, mais que um reconhecimento, significa um estímulo a todos os cidadãos que actuam na área da Lusofonia quer dentro da SADC quer fora, para continuarem a lutar por condições dignas das pessoas e que haja muito mais defensores corajosos. Aliás, todos nós sabemos que, no caso de África, temos problemas extremamente sérios, especialmente nos países lusófonos, há problemas em tomar iniciativa para se defenderem a si mesmo e aos outros: há muito medo, uma cultura autocrática muito consolidada, a autocensura e autopunição. Realmente as pessoas ainda têm receio de tomar decisões quanto ao que aos seus direitos diz respeito, por essa razão é que deveremos encorajar, neste espaço da Lusofonia, a mobilização de vários actores para que haja muitos defensores que levem avante esta tarefa.
Este prémio é para os mais desfavorecidos. Não é para mim, primeiramente, é para aqueles que estão no interior: os pastores de gado que sempre se bateram para que as suas terras não fossem assaltadas; os líderes comunitários que lutaram para que os seus recursos comunitários, incluindo a água, não fossem tomados; as pessoas que passam mal por causa da exploração dos recursos minerais como o granito e outras pedras ornamentais; e noutras que não beneficiam de serviços básicos como a saúde e educação.
Quando se tornou defensor de Direitos Humanos?
Não consigo saber exactamente quando, lembro-me que o padre Benedito Capingala e eu, na missão do Sangueve, ajudamos a criar, em Luanda, a primeira Associação Flor da Vida em 1993, com o objectivo de proteger as vítimas da guerra, resultado do conflito pós-eleitoral de 1992. Mas, infelizmente, eramos estudantes, estávamos no Seminário, não foi possível continuarmos a dirigir a associação e, em 1994, voltámos à Huíla para sermos ordenados a 20 de Agosto de 1995.
E foi em 1994 que, na Huíla, ajudei a criar a Associação Leonardo Sikufinde Shalom Angola, cujo objectivo era de defender a dignidade da pessoa humana em todas as vertentes, em homenagem ao padre Leonardo Sikufinde, que praticamente foi o meu mentor. E daí continuei a intervir nos assuntos sociais de forma individual e em grupo.
E o que faz actualmente?
Como sacerdote, eu sou pároco de Nossa Senhora de Fátima e de Santo António dos Gambos. Enquanto activista, sou presidente dos Conselhos de Administração das associações Construindo Comunidades (sedeada no Lubango, Huíla) e Ame Nahame Omunu (sedeada em Ondjiva, Cunene). Também acompanho a cooperativa de pastores de gado e faço intervenções pontuais sobre os problemas sociais de maneira individual.
Actualmente, trabalha no município dos Gambos, província da Huíla, quais são os principais problemas dessa localidade?
Este município é dos mais subdesenvolvidos de Angola. Aqui os problemas são vários: temos a insuficiência de água para as pessoas e gados; a existência de inúmeras empresas de exploração de rochas ornamentais; a estiagem que gera fome endémica e entre outros males.
Como vê as questões de Direitos Humanos neste período em que decorrem duas grandes operações com implicações directas na vida das pessoas: as operações Transparência e Resgate?
Por mais boa vontade que haja da parte do Governo para desencadear operações dessa natureza, isto acaba sempre por pesar no bolso do pobre, na medida em que muitas coisas não foram acauteladas.
Por exemplo, para se poder repatriar o capital angolano que está lá fora, precisa-se de uma moratória de muitos meses e quem retirou este capital é que criou a crise que temos. Portanto, os presumíveis maiores criminosos, no nosso caso, não são os zungueiros e outros tantos, mas aqueles que desviaram o dinheiro de Angola para ficar lá fora e não servir os angolanos. Então, por que não se dá uma moratória aos vendedores informais como as zungueiras? Para que possam organizar-se, as administrações poderiam registar o seu trabalho e, ao mesmo tempo, dar-lhes meios e, daqui a um ou dois anos, as pessoas estariam organizadas. Seria, portanto, um processo paulatino e gradual. Em vez de ser um trabalho civil, o que decorre é um trabalho militar. Por isso, tem resultados muito mais negativos que positivos.
Uma mensagem aos defensores de Direitos Humanos da África Austral, sobretudo aos de Angola?
Que não desanimem! Que continuem a defender os seus direitos, dentro da Constituição e dos pactos internacionais de que os nossos países da SADC são parte. Que continuemos sempre a lutar pelos direitos dos mais desfavorecidos porque os homens de boa vontade acompanham as nossas obras e eu, como cristão e sacerdote, acredito que Deus está sempre na linha da frente e não nos abandona.
Por uma Angola melhor!