O MILAGRE DA COVID-19

Foto: Dombele Bernardo| Edições Novembro “A vida humana não tem preço” ou “Todo o Angolano conta” é uma narrativa que, na verdade, a maioria dos angolanos não está habituada a...

Covid 19 em Angola

Foto: Dombele Bernardo| Edições Novembro

“A vida humana não tem preço” ou “Todo o Angolano conta” é uma narrativa que, na verdade, a maioria dos angolanos não está habituada a ouvir dos seus governantes, sobretudo se acompanhada de acções que aqui e ali reforçam a ideia, percebendo-se talvez, pela primeira vez, que não dizem por dizer.

Na semana passada, ouviu-se o responsável da comissão interministerial, na Assembleia Nacional dizer: “A nós se quer exigir que se faça tudo ao mesmo tempo”.  Tudo ao mesmo tempo não, mas houve tempo para fazer quase tudo. Diga-se então que não havia antes, a motivação e a vontade que a COVID-19 fez desabrochar de forma tão surpreendente.

A COVID-19 fez com que os governantes enxergassem os mais vulneráveis, assumissem o fraco ou nenhum trabalho feito para melhorar condições básicas que garantissem, por exemplo, acesso à água potável para a maioria da população. De repente, deram-se conta de milhares de pessoas, em todo o país, que trabalham apinhados em mercados informais infestados de mais bactérias e vírus do que de pessoas.

Este milagre é real e não se mede pelo “esforço” que agora o governo diz estar a fazer, mas sim pelo que a COVID vai deixar e a mudança de rumo a que obrigou nas últimas semanas. Nunca como agora, o sector da Saúde foi alvo de investimento, é certo emergencial ainda, mas com plano de tratar o maior número de Angolanos com condições condignas. Não há muito tempo, o mesmo Governo congratulava-se com o aumento da despesa cabimentada a este sector, mas em retrospectiva, nos últimos quatro anos, nota-se que a saúde continua a ter muito pouco peso no Orçamento Geral de Estado.

Em 2016, reviu-se para 4,35% as despesas atribuídas por função neste sector, em 2017, 4,30%, em 2018 regrediu para 4,01% e só em 2019, passou para os 5,65%. Ainda assim, em clara desvantagem face ao que se vê ser atribuído aos sectores como Defesa e serviços públicos gerais.

Esta cabimentação por norma baixa, deveria então combater doenças endémicas que presentemente, em Angola, competem com o COVID, mas sempre fizeram parte do dia-a-dia do país, como a malária, por exemplo, que de 2016 a 2018, matou 40 mil Angolanos. Contudo, agora e graças à COVID-19, houve vontade para criar condições mínimas sanitárias e de saneamento, assim como, formar a população para a adoptarem hábitos de higiene pessoal, melhoradas substancialmente com acesso à água e isto por si só, poderá decrescer a prevalência de malária no país.

À boleia da COVID-19, os discursos extremamente politizados, heroicizam o governo, colocando-o como o salvador: “Aquele que dá água”, “aquele que dá sabão”, “aquele que dá farinha”… Longe das obrigações que deveria cumprir, o Governo está mais para postura de benfeitor e filantropo do que propriamente, servidor público responsável por prover, mas também pela escassez e faltas de condições básicas. Só mudou porque a COVID-19 assim obrigou. Democrática como já demonstrou ser, esta doença nivelou as diferenças sociais e financeiras. Isolou os Estados, deixando poucas ou mesmo nenhuma alternativa de emergência para quem sempre pode fugir e fazer turismo de saúde.

A COVID-19 impôs uma mudança de perspectiva mundial, mas essencialmente local. Se antes os decisores ignoravam os vulneráveis, hoje persistir nessa cegueira selectiva, pode literalmente significar o suicídio.  E é daí que vem a aparente mudança das elites governativas e financeiras, por perceberem que não basta construir muros altos, isolarem-se em condomínios de luxo, junta médica para o exterior ou fecharem-se no seu mundo, ilusoriamente, protegido.

Graças à COVID-19, entenderam rapidamente que a segurança do outro é a sua própria segurança, tal como o seu bem-estar. Então toca a apetrechar unidades de saúde, mandar vir médicos, recolher apressadamente bens alimentares, água e distribuir gratuitamente para minimizar o risco de conviverem no mesmo espaço. E às pressas maquiar os defeitos de estrutura e os hábitos perniciosos de governação. Espera-se ainda que reconheçam que esta massa significativa de vulneráveis não são apenas eleitores e precisam ser reconhecidos como cidadãos.

Mandele Rocha

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