Todos nós conhecemos o hábito de dar mais dinheiro ou extras pelo que é afinal um desserviço. Tornámo-lo comum e não nos importarmos com essa via oficiosa que nos “obriga” a pagar pela cunha, pagar para facilitar, pagar para agilizar, pagar pela prioridade, pagar pela conveniência, pagar pelo resultado favorável…
E o normal é chegar às repartições ou nem sequer lá ir, mas procurar logo a garantia de que o trabalho é feito. E já todos nós sabemos como se consegue isso sem as habituais complicações ou entraves que, de repente, surgem e nos colocam entre a espada e a parede. Não há quem não tenha passado por isso e também não há quem já não tenha privilegiado este conforto.
Mas a que preço? Quanto custou e custa realmente essa vantagem? Que impacto tem esta cultura da gasosa em nós e na nossa sociedade em geral?
Esta semana, durante a conferência de imprensa que o Mosaiko, Handeka e a Rede EPT-Angola organizaram para tornar pública uma carta aberta dirigida ao Presidente João Lourenço, a propósito da intenção de cobrar às famílias aquilo que deveria ser sempre provido pelo Estado: O acesso de todos ao ensino público.
Haveria de facto muito a questionar, desde logo, a legitimidade do Estado para esta cobrança, o facto de afectar famílias já muito empobrecidas, o efeito directo sobre a taxa de frequência e abandono escolar… Mas entre estas e outras questões, um dos jornalistas deu a ideia de que seria melhor oficializar a cobrança já que os pais estão habituados a pagar…
Aí, a sociedade civil percebe que não basta denunciar a violação de um direito, é preciso lutar contra esta cultura que perverteu a integridade de todos nós e tornou-nos imunes às injustiças, até as que nos ferem todos os dias. Esse é o preço da cultura de pagar, pagar gasosa, pagar extras, ninguém conta com o oficial e todos pagamos as alternativas à água, energia, escola…
O hábito de pagar está associado a um aparente benefício momentâneo, mas como será quando não tivermos dinheiro? Para que serve um “Estado” que se desresponsabiliza das suas obrigações e cobra apenas para se alimentar e oferece serviços sem qualidade e humanidade, inviabilizando o público para beneficiar do e no privado?
Que as denúncias da sociedade civil nos façam pensar sobre o Estado que somos e precisamos. Não mais composto pelos que nos assaltam com cobranças sem prestar contas, muito menos pelos que se servem da nossa fraqueza, ignorância e ingenuidade para violar sistematicamente os nossos direitos e beneficiarem da cultura da gasosa.
Precisamos hoje mais do que nunca de um Estado provedor, transparente e íntegro. No caso da Educação, de um Estado que provê gere com lisura as nossas contribuições (imposto, taxas e afins) canalizando-as para infra-estruturas escolares condignas, manutenção e conservação das mesmas e dos equipamentos; contrata professores qualificados; apoia o desenvolvimento integral da criança (alimentação, transporte e estudo); E cria programas escolares contextualizados e adequados. Isto sim, é apenas o básico, deve ser gratuito e pago na totalidade pelo Estado. Tendo isto, o Estado poderá então, exigir dos professores e cobrar o esforço e dedicação dos alunos.
Autora: Mandele Rocha