Entrevista: “Priorizamos as respostas às recomendações e não tanto a avaliar como é que o Estado está”

Ana Celeste

Entrevista “Priorizamos as respostas às recomendações e não tanto a avaliar como é que o Estado está, relativamente a cada um dos artigos”

Logo após a leitura do relatório de Angola na 63ª Sessão Ordinária da Comissão Africana dos Direitos Humanos que decorre em Banjul, Gâmbia, e das reacções dos 11 comissários, Ana Celeste Januário, secretária de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania reagiu.

Em que âmbito foi realizado este relatório de Angola?

Angola defendeu o último relatório da Carta Africana em 2012, foi um esforço, sobretudo da Comissão para que Angola apresentasse o relatório seguinte, um relatório combinado: da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e o relatório protocolo adicional sobre os direitos da Mulher em África que é o Protocolo de Maputo.

Soyata Maiga, a presidente da Comissão Africana dos Direitos Humanos, foi bastante crítica assim como todos os comissários sectoriais. Como reage a estas críticas?

Primeiro, foi bastante interessante saber que estamos entre 11 de 54 países que têm todos os compromissos garantidos. É sempre bom para um Estado que há cinco, sete anos não estava nessa condição e neste momento, encontramo-nos num número restrito e, por isso, sentimos-nos privilegiados.

Segundo, o conforto que recebemos da presidente da Comissão, e também relatora de Angola e dos comissários, relativamente aos passos que foram dados. É verdade que há uma série de questões de procedimentos e de respostas. Como deve imaginar, falar de um trabalho de um país desde 2012 até 2018 é muito e isso, ia dar muitas páginas.

Quando se resume nem sempre se diz tudo ou se define quais são as prioridades, mas estamos bastante tranquilos e temos a certeza que este diálogo é o momento para podermos apresentar à Comissão aquilo que fizemos em termos de avanço que já temos, relativamente ao período em que apresentamos o relatório e também poder trazer aportes, informações que não tinha.

Mas tanto a relatora como os comissários colocaram questões que abarcam vários sectores e reportaram situações concretas…

Houve perguntas que nos foram colocadas que, por exemplo, para nós, são óbvias. Quando a comissária pergunta: “Têm licença de maternidade para as mulheres?” – Isso para nós é óbvio, nós temos no sector privado, no sector público, está na lei geral do trabalho, no regime jurídico da função pública e ao que sabemos a nossa licença é bastante boa.

Por outro lado, verificamos que é necessário esse diálogo para podermos passar determinadas informações. Verificamos também que há um certo desconhecimento relativamente à situação do país por parte dos comissários e claro esse diálogo vai ajudar-nos. Eles são especialistas nas matérias, lidam com isso todos os dias e vamos todos aprender e trocar experiências neste diálogo.

A presidente da comissão disse que o relatório é desequilibrado e insuficiente, não demonstra a implementação dos projectos ou leis, o impacto nas populações e no fundo, está mais focado nas boas práticas do governo Angolano…

Não. A crítica da presidente, gostaria aqui de fazer uma correcção, foi relativamente ao ponto por ponto para cada um dos artigos. O que aconteceu foi: Como tínhamos limitação de páginas, nós, obviamente, priorizamos as respostas directas às recomendações e não tanto a avaliar como é que o Estado está, relativamente a cada um dos artigos, então passamos rápido no artigo 2 e 3, como não tinha recomendação, fomos directamente às recomendações. Isto é uma questão de procedimentos. Quando há limites de página, limite de palavras, temos que optar. Como vamos priorizar? Priorizamos as respostas às recomendações.

A análise artigo por artigo era uma exigência da comissão, tal como o envolvimento da sociedade civil Angolana que reporta a exclusão da maioria e a inclusão de uma minoria de organizações. O que tem a dizer sobre isto?

Está aí mais uma coisa em que verificamos que há um desconhecimento da comissão relativamente ao nosso trabalho. Nós, a nível da comissão intersectorial de elaboração de relatórios sobre Direitos Humanos, citamos inclusive a resolução e isto pode ser verificado, desde o início, em 2009, temos a presença da sociedade civil e com a reforma em 2014, elas podem ser convidadas.

Temos organizações como o FONGA que é uma organização “umbrella” (cúpula), falo pelos direitos de Justiça e Direitos Humanos nessa parte, sinto-me bastante à vontade, enquanto uma organização que faz o registo de outras organizações, é a maior rede de organizações nacionais que temos em Angola.

Há ou não envolvimento?

É verdade que no diálogo com as organizações da sociedade civil verificamos que às vezes, as organizações com quem trabalhamos, não repassam a informação do grupo para as outras e por isso, criamos um grupo de seis organizações que chamamos: Grupo de consulta em que estão presentes também organizações “umbrella” como o CICA, a Comissão de Justiça e Paz da Igreja Católica, a Plataforma de Mulheres em Acção, FONGA, o CONGA, o Fórum das Autoridades Tradicionais, a par disso, temos encontros bilaterais e multilaterais a nível do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.

Em 2016,  institucionalizamos o que denominamos: O Fórum com a Sociedade Civil. Já realizamos dois, em 2016 e em 2018. E são exactamente esses os momentos que nós temos com as diferentes organizações para discutir os assuntos de interesse.

Como está a ser esta experiência de estar sob observação, dialogar e justiticar-se sobre a actuação do Estado Angolano?

Em 2012, eu estava numa outra posição, mas participei também da elaboração do relatório, hoje não é muito diferente porque desde que criamos a comissão intersectorial,  temos um grupo permanente e temos essa vantagem. Aliás, recebemos felicitações das Nações Unidas por termos uma comissão que cuida dos relatórios e isso facilita.

Este ano, tivemos em Genebra a defender três relatórios da criança, os procedimentos não são muito diferentes, as perguntas também não andam muito distantes umas das outras e as recomendações também. Se reparou, por exemplo, as comissárias dizem que temos directrizes, comentários gerais conjuntos, o comité da criança recomenda e no fim do dia enquanto operadores e defensores dos Direitos Humanos, conseguimos casar e cruzar a informação de um comité com outro comité.

É verdade que África tem as suas particularidades. A questão dos povos, não encontramos em mais nenhum outro comité fora dos comités africanos… Então é mais uma experiência de diálogo e pensamos que vai ser bastante produtivo e salutar. Vamos sobretudo passar a informação daquilo que está a acontecer em Angola, falando dos progressos e também dos nossos desafios. Não temos nenhum receio em dizer que precisamos melhorar em muitas coisas.

Angola reportou sobretudo legislação e programas implementados e por concretizar. Não considera por isso normal que aqui se peça que se diminua o distanciamento entre a lei,  que sobressaia a prática e o efeito sobre a população?

No passado podíamos aceitar essa crítica, hoje já não. Por exemplo, é preciso que haja uma lei, sabe que há países em que ainda não têm uma lei de violência doméstica, países onde a mulher e o homem não são definidos como iguais? A lei é importante, eu sou jurista e não passo fora da lei.

A questão não é a existência de leis, mas sim a ausência de dados…

Nós também trazemos dados. Por exemplo, no nosso discurso quando a nossa chefe da delegação faz referência que Angola passou dentro das Nações Unidas do grupo dos países pobres para um país de renda média. Estamos a falar de múltiplos indicadores, mais de 100 indicadores que podem ser verificados, claro está que num diálogo como este, não vamos passar por todos os indicadores de Desenvolvimento Humano que são avaliados para poder ser feito o “upgrade” (melhorar).

E os dados concretos, reais de implementação de projectos, impacto e efeitos sobre a população?

Quando falamos dessa questão usando, por exemplo, o índice sobre desenvolvimento humano é baseado em indicadores, são vários: ratificação de convenções, é um indicador, quais as principais e quantas foram ratificadas; Acesso à informação, é outro indicador; Participação da Mulher, é outro indicador. Esses indicadores, por acaso hoje, felizmente o nosso sistema estatístico já está bastante melhorado e conseguimos ter.

E estão disponíveis?

Com certeza. Recomendo, veja os nossos relatórios na página do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos tem lá o relatório que estamos a defender hoje aqui e tem outros, tem bastante informação.

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