Por muito tempo, fomos obrigados a ficar em silêncio. Agora já ensaiamos um novo tempo, aonde as palavras podem já podem ser ditas com mais “liberdade” no nosso País. Porém, é preciso coragem para assumir as responsabilidades que cada pessoa tem, na construção de uma política sólida e eficaz e uma fé que não seja somente condicionada a algumas religiões.
Estes foram alguns aspectos das dimensões humana e social, que o professor universitário, Laurindo Miji Viagem, destacou durante uma entrevista concedida ao Mosaiko, logo após o Cidadania em Debate, que teve como tema: “Fé e política”. O encontro decorreu no sábado 25 de Maio, no Jango do Mosaiko, em Viana.
Que reflexão faz sobre o debate que acaba de moderar?
Chamou-me atenção, sobretudo, com que liberdade as pessoas se expressam, porque se vê que é um espaço onde as pessoas não têm medo de falar, nem de participar: dizem aquilo que sentem, independentemente de ser certo ou não, mas se expressam. Isto eu acho que é um valor, porque este é um problema que tivemos durante muito tempo neste país: o medo de expressar. Gostei muito desta ideia e de ver esta acção!
Como abordar a questão da fé e política dentro do contexto político, económico e social de Angola?
Como dissemos [no debate], estas são as dimensões da vida humana: o político, o social… além dessas dimensões, somos crentes. Somos homens e mulheres de fé, porque esta é a nossa força motriz: a fé. Nós acreditamos, somos seguidores dum Deus, em Cristo, e Ele mostrou-nos um modo de viver. Somos seguidores deste modo de viver. Ele não escolheu alguns aspectos da vida, mas optou pela vida plena, com todas as dimensões. Portanto, é isso que o Senhor nos pediu e continua a pedir. E por isso essa conciliação entre a fé e uma das suas dimensões, que é a política.
A fé deve ser o ponto de partida para olharmos para estas dimensões. Nós devemos educar as pessoas no exercício da política como acto de cidadania. Por isso é necessário educar com os valores de cidadania que como homens e mulheres de fé acreditamos, que são os valores da vida, da solidariedade, da dignidade humana… tudo aquilo que afecta a vida humana como uma vida digna.
Depois, temos que educar as pessoas na responsabilidade, porque não é possível exercer a cidadania sem responsabilidades. Este é um grande problema que temos neste País, porque a tendência que temos é a seguinte: são os outros que têm que fazer por mim, logo, também não tenho responsabilidades.
Quais são responsabilidades e deveres que tanto os governos como os cidadãos têm de assumir?
Os governos têm a responsabilidade de governar adequadamente: tem a missão de criar as condições para a vida boa em sociedade, desde as necessidades básicas que temos, como a energia, a água, as estradas, escolas, etc. Governar é isto: pôr à disposição dos cidadãos as condições de vida. E da parte de cada um de nós, cidadãos, é exercitarmos a responsabilidade. Primeiro, a própria denúncia proféctica, quando as coisas não funcionam, nós não devemos ter medo de dizer. Mas não basta apenas denunciar, porque não adianta reclamar do Estado, se as poucas coisas que existem nós não sabemos cuidar. Segundo, temos de ter consciência de que há coisas que não dependem só do Estado. Quando eu estou a comer uma banana na rua, eu devo ter consciência de não atirar a casca no chão, por exemplo.
Com este novo contexto político do país, que mensagem deixa aos jovens e à sociedade, em geral, de modo que a política seja efectiva e que a fé seja transformadora?
Em primeiro lugar, que os jovens e todo o crente não tenham medo de falar. Provavelmente, uma das coisas destes últimos tempos é que parece que vamos perdendo medo a expor as nossas ideias. Mas, também aquilo que for dito com as nossas palavras tem de ser coerente com a nossa prática.
O outro elemento é a responsabilidade. Se não há compromisso não há exercício de cidadania. O exercício necessário começa com o compromisso. E este me exige acções concretas.
A fé e a política não estão separadas, porque são dimensões do homem e da mulher, mas a fé não é política. O grito dos que sofrem, dos pobres e dos excluídos é o critério político que a Igreja nos aconselha. Este é que deve ser o ponto de partida para nós discernirmos qual a dimensão política que devemos promover.
Laurindo Carlos Miji Viagem, é professor universitário e actualmente é o secretário-geral da Universidade Católica de Angola (UCAN).
Sobre o Cidadania em Debate
O encontro denominado “Cidadania em Debate”, faz parte do ciclo de reflexões que o Mosaiko realiza ao segundo sábado de cada mês, em Viana, com o apoio da Misereor.
Por uma Angola melhor!